Sai barato para quem mata (04/10)
Bons advogados (eles apenas fazem seu trabalho) serão perfeitamente capazes de usar, em benefício de quem pode pagar, os mecanismos teoricamente destinados a proteger quem não pode
Faz refletir o monstruoso assassinato da estudante de Direito aqui em Brasília, morta pelo professor inconformado com o fim do relacionamento. Toda violência é reprovável e toda morte provocada merece um adjetivo forte, mas este caso vai além.
A má sociologia produziu entre nós um discurso intelectual predominante sobre a violência. Seria produto de causas macrossociais. Como a pobreza e a falta de acesso a bens e serviços trazidos pela civilização.
Inexistiria portanto uma maldade “não social”. A perversidade seria resultado do meio, das circunstâncias, do ambiente. É o pensamento trazido pelo extenso fio condutor iniciado lá atrás com a teoria do bom selvagem.
A coisa é conveniente, pois permite transferir a responsabilidade de modo seletivo.
Se o rico comete um crime, a culpa é dele mesmo. Como no caso do Porsche em altíssima velocidade no Itaim, em São Paulo. Mas se o criminoso é pobre, a culpa é da sociedade. Melhor dizendo, da elite.
Esse arcabouço intelectual apresenta alguns problemas. O primeiro é não bater com a realidade.
O mapa da pobreza não é o mapa do crime e da violência. Um exemplo? O Nordeste urbano foi nossa região cuja economia mais cresceu, onde mais se distribuiu renda nos anos recentes. E também onde mais aumentou a criminalidade.
Outro problema é a teoria oferecer um alicerce quase afetivo à condescendência com o crime. Este seria, talvez, uma forma primitiva de rebelião contra a injustiça. E portanto deveria ter reconhecido o vetor progressista.
Tudo isso é bem complicado, especialmente por exigir generalização. O Código Penal ainda não prevê, por exemplo, aplicação de pena maior para o homicida conforme o valor do contracheque. Então a condescendência tende a universalizar-se.
E bons advogados (eles apenas fazem seu trabalho) serão perfeitamente capazes de usar, em benefício de quem pode pagar, os mecanismos destinados a proteger quem não pode.
Convenhamos, tem algo bem errado nisso.
Quem entende do assunto garante: o problema não está na leveza das penas, mas na alta probabilidade de o criminoso escapar da punição. Recolho a opinião e respeito-a.
Entretanto, teorias à parte, matar alguém no Brasil acaba saindo relativamente barato para quem matou.
Há exceções, quando a comoção popular ultrapassa certas fronteiras e constrange as autoridades. Como no caso dos Nardoni. Mas não é rotina.
Qual seria uma pena razoável para o professor assassino de Brasília? Vamos deixar de lado a pena de morte, cujo debate traz questões filosófocas impossíveis de encaminhar hoje neste espaço de maneira minimamente razoável.
Mas, digam uma coisa. Algo justifica não aplicar neste caso pelo menos a prisão perpétua? Não seria vingança, mas equilíbrio. A perda da filha será perpétua para o pai humilde cujo sonho era ter uma advogada na família.
É uma polêmica difícil. Assim como a da idade na qual alguém finalmente pode ser responsabilizado pelos atos. A tal maioridade penal. Por que diferir o tratamento do sujeito de 17 anos e 364 dias e daquele só dois dias mais velho?
Sempre é possível extrapolar o raciocínio ao absurdo, e daí objetar que, sendo assim, uma criancinha deveria receber o mesmo julgamento do adulto plenamente formado.
Mas é diletantismo. Na prática, as quadrilhas têm seus próprios “menores” encarregados de aproveitar as brechas da lei.
Um debate infindável.
Mas enquanto se discute, segue a vida. Há a necessidade imperiosa de produzir uma nova moldura jurídico-social capaz de reduzir a probabilidade de alguém ser vítima de um ato criminoso.
Penas mais severas, menos atalhos jurídicos para escapar, mais bandidos presos. Não é tão difícil assim. Falta apenas quem não se deixe intimidar e esteja disposto a carregar a bandeira.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça (04) no Correio Braziliense.
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8 Comentários:
Eu acho que esse é o tema mais importante do Brasil hoje.
A impunidade geral e irrestrita é a causa dos principais males da política, por exemplo, e se propõe uma reforma política que não resolve esse ponto.
Criminoso precisa ir para a cadeia.
O curioso é que esse debate teoricamente não é ideológico.A esquerda vive reclamando que os ricos ficam impunes e a direita costuma pedir penas mais severas para crimes.
Apesar de ser possivelmente o único consenso ideológico no Brasil, uma justiça mais eficaz e punitiva, é o único tema que não avança no país, na verdade, nem é posto em discussão.
Algo me diz que os políticos são principais beneficiários dessa impunidade.
Supondo que a riqueza seja mérito da produtividade do individuo e contribuições a sociedade não vejo como injusto a utilização desse crédito para amenizar a repercussão de eventuais erros e crimes no futuro.
Seu texto é comparável à receita de um médico que, constatando obesidade mórbida, receita uma dieta à base de lasagna à bolognesa, mas menos.
É sem sentido a sugestão (há uma sugestão, não há?) de fazer uma justiça para os pobres e outra para os ricos. Isso (que até já existe, em certa medida, e é bastante pernicioso, vide Daniel Dantas e as trapalhadas dos delegados e juízes bons selvagens) só aumentaria a violência, além de ser moralmente esquizofrênico.
Fazer uma "nova moldura jurídico-social" aka mais leis, é também pouco efetivo. Temos já leis demais e não as cumprimos. Se há uma lei necessária, é uma que diga que, a partir de hoje, todos têm que cumprir a Lei.
O que falta - e é aí que as esquerdas degringolam - é moral estóica, é fazer a coisa certa, mesmo que seja mais difícil; que pareça coisa de otário.
No caso do "professor de Direito", por exemplo, seria não sair com uma mulher casada - o conselho é tão para retardadinhos que está nos dez mandamentos.
(Mas, ih, falei em dez mandamentos: pronto - virei um crente fundamentalista e obtuso, que alguém pode parir sem trepar).
Tudo é muito mais simples do que essa enriquecedora sociologia que nos assola ensina: basta compreender que o código genético mais evidente que temos é o que distingue o bem do mal. E optar, sempre, não importam as circunstâncias nem o que vão pensar os outros, mas sempre e sempre, pelo bem.
Parabéns pela reflexão, Alon.
Notadamente sobre a aplicação da prisão perpétua. Além de uma, até leve, cacetada nos que advogam atenuar, relativizar as atitudes bestas de bestas, que deveriam ser presos sem fiança e sem favorecimentos, dado a idiotice do ato praticado. Decide matar e mata. E é defendido. Muitos recusam a ser mais duros dado o constrangimento de discordar da origem "social" de atos delituosos, ou de "enjeitados da sorte" que os praticaram. Pouco a pouco isso vai sendo melhor avaliado. E o pieguismo,a indulgência e a compaixão, vai deixando de toldar a visão sobre crimes bestas. Se há crime que não o seja. Não está defendendo-se aqui o desprezo aos ritos processuais, direito de defesa etc. etc. Mas, sim, que o defendido tem de ser a vítima. Só isso.
Alon, esse é um debate que parece se perpetuar pelos piores motivos possíveis.
Não canso de ver especialistas dizendo que não é a pena dura que é capaz de coibir crimes, e sim a certeza de punição. Não parece ser 100% verdade. Há estudos e mais estudos mostrando que penas duras são realmente capazes de assustar a criminalidade antes que ela ocorra – embora, já que as teorias que culpam o social desconheçam tais estudos, justamente por isso juram que está provadíssimo que pena dura não serve pra nada.
Quando as pessoas usam esse clichê achando que têm o pensamento mais "crítico" e "original" possível, sempre se esquecem de incluir a si próprias na teoria. Basta ver como a nova Lei Seca, que faz nêgo rodar e ir pra cadeia até depois de enxaguar a boca com Listerine, instaurou o pânico nas cidades em que as blitz rolam, mesmo que ninguém seja obrigado por lei a produzir prova contra si mesmo.
O pensamento dominante, sobretudo nas faculdades de Direito, é de que a verdade já está pronta lá na Academia – basta apenas que concordem com ele. Não conheço muitos professores que passam a seus alunos 5 livros de teorias penais completamente díspares, e digam que a escolha de um modelo razoavelmente adequado é de escolha dos alunos.
O que se faz é o contrário: um professor defende ferrenhamente a teoria X, e apresenta no máximo o nome de uma teoria rival, apenas para usá-la como contra-exemplo.
Não é possível ser imparcial, mas é bem simples ser honesto – o que não significa que é fácil. A maioria dos professores de Direito apelam para as teorias coitadistas penais, em maior ou menor nível. Se é preciso provar que essas teorias são mentirosas, basta ver o quanto tentam prosperar sem sucesso em países em que as teorias dominantes são inversas (todo mundo nos EUA ou Inglaterra conhece bem Foucault e Gramsci, apenas discordam deles) e como é sua tática para "funcionar" no Brasil: ignorar e proibir o aluno de ler os caras "do outro lado".
Aqui, chega-se na faculdade já com a certeza de que prisão perpétua é "pena dura demais" que não funciona (há homens com 80 assassinatos na ficha corrida na prisão e acham que prisão perpétua é "dura demais"!), que pena de morte está fora de cogitação (quando foi o último livro pró-pena de morte a ser editado no Brasil? Qual foi o último reles artigo de jornal?!). E assim, quanto mais se permanece na faculdade, mais se acredita piamente que nossas leis são as melhores do mundo, que crime é um "acidente" que só podemos tolerar, que qualquer conseqüência para atos ruins deve ser arcada pela vítima, e não pelo algoz.
Curiosamente, num país em que a maior vítima da violência são os pobres, lutar por menos violência é sempre associado à um ultra-direitismo fanático, ao "capitalismo neoliberal" e "individualismo", como se só se quisesse punir homicídio e estupro para proteger sua propriedade, que não querem compartilhar por puro egoísmo.
Acham assim que só irracionalmente alguém pode defender a pena de morte. Curiosamente, é bem raro ver um argumento anti-pena de morte que não seja eivado de sentimentalismo jacu de cabo a rabo. Mas sentimento de pena e dó são permitidos pela lei, já de perda e luto são apenas problema de quem sofre, e o Direito Penal tem mais é que mandar essas pessoas se lascarem um pouco ainda mais.
Enfim, são argumentos que estou tentando explicar para a esquerda há anos – mas como não defendo o socialismo ou o Estado de Bem Estar Social, só se prova que sou um "reacionário" extremista e fanático.
Curiosidades da nossa sociedade capitalista : crimes contra o patrimônio são mais graves ,tem penas mais pesadas e são tratados,seus autores, com mais rigor.
Cacciola, por exemplo, passou mais tempo preso e foi exemplarmente execrado pelos meios, do que homicidas confessos.Executores de crime de encomenda ou assassinos que empregam armas não convencionais,tais como, veículos de grande potência,desfrutam de liberdade invejável,para o tamanho da delinquência.
E olha que um "assassino" de menos de 18 anos cumpre APENAS 6 meses.
Alon,
gosto muito das reflexões que vc traz no blog. Contudo, nesse caso, tenho de discordar.
Sou estudante de direito e a maior "revelação" que a vida acadêmica me trouxe é a seguinte: o problema maior não será resolvido por prisão perpétua, pena de morte, enfim, normas penais implacáveis. Não, Alon, o problema brasileiro está, e sempre esteve, na execução.
Pesquisando na área de ciência política e realidade brasileira, percebi que é ingenuidade pensar que vivemos em um sistema condicionante e determinista, assim como acreditar que papel e tinta vão transformar o mundo. Não, o que efetivamente faria a diferença seria exercer cidadania, promovendo discussões, cobrando garantias legais, exigindo transparência.
Realmente, isso realmente não vai acontecer do dia para a noite. Mas, como vc diz, convenhamos, é bem mais fácil cruzar os braços e acreditar que o problema está lá fora, nos políticos, nos juízes, no sistema.
Um abraço de quem admira bastante este espaço,
Amanda
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