O melhor remédio (03/08)
Talvez possamos aprender com os Estados Unidos. No pacote protecionista lançado ontem o governo brasileiro beneficiou alguns e não outros. Por que não submeter a lista a um intenso debate no Congresso?
E o mundo não acabou. O sistema político dos Estados Unidos mostrou-se suficientemente flexível para encontrar uma solução e destravar o debate do aumento do teto da dívida.
Não havia saída fácil, dada a divisão no Congresso, que apenas reflete a divisão na sociedade.
Nossos alquimistas da reforma política quebram a cabeça para construir modelos em que dissonância social produza consonância congressual. Apresentam a restrição de representações como essencial para a eficiência política.
O exemplo americano mostra a possibilidade de caminho diverso.
Outro fenômeno aqui é o desejo íntimo de evitar que a política imponha limites às ideias absolutamente certas dos economistas sobre como enfrentar problemas.
Ainda que um problema resida em haver quase tantas ideias absolutamente certas e distintas quanto a quantidade de economistas envolvidos no debate.
E a política costuma ser o meio de buscar a unidade na diversidade.
Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, achava que a melhor maneira de enfrentar esta crise era dar uma cartada decisiva a favor do livre comércio, na Rodada Doha.
Já Dilma Rousseff, como se viu ontem, embicou o governo para a defesa firme do protecionismo.
Que o governo brasileiro, uns anos atrás, acusava de ter criado as condições para a Segunda Guerra Mundial.
As ideias certas podem mudar com o tempo, vê-se.
A sociedade nos Estados Unidos divide-se quanto à melhor maneira de sair da crise. Uns dizem ser preciso mais dívida, mais investimento público. E também mais impostos. E que os ricos paguem a conta.
Outro pedaço defende o contrário. Deixar mais dinheiro em mãos privadas, para que na busca de reproduzir esse capital criem-se mais negócios, mais empregos. E a economia saia assim do buraco. É o que propõem.
Aliás, o pacote anunciado ontem por Dilma tem algo desse último vetor, nas agressivas desonerações, mesmo seletivas.
O estatismo ficou em alta na passagem de 2008 para 2009 e em tempos seguintes, quando a intervenção governamental salvou as economias do colapso.
Mas não apresentou o mesmo desempenho para alavancar a recuperação econômica nos países desenvolvidos, que patinam.
Uns dizem ser preciso mais do mesmo, que o remédio é bom mas não veio na dosagem suficiente. Propõem dobrar a aposta.
Outros dizem que não, pois isso levaria à estagnação, pois o capitalista sabe investir melhor, com mais retorno para a economia e a sociedade. Especialmente na criação de empregos.
Havia duas possíveis rotas de fuga do incêndio.
Os republicanos têm posição sólida no Congresso. Barack Obama poderia dar um murro na mesa e aumentar unilateralmente o limite da dívida, como desejavam alguns de seu partido. Ou buscar um acordo. O melhor acordo possível.
Como rejeitavam os extremos do partido dele e também do partido adversário.
Os Estados Unidos não são, ainda, uma republiqueta. Vingou a alternativa b.
Mas para chegar à convergência era necessário o rito. Cada lado precisaria mostrar os músculos e dar sua própria satisfação ao respectivo eleitorado.
Cada chefe de facção precisaria provar liderança sobre a respectiva tropa, até para poder pedir depois que depusessem as armas.
Como aconteceu.
Talvez tenhamos algo a aprender deles neste caso. No pacote protecionista lançado ontem o governo brasileiro beneficiou alguns e não outros.
Deve ter sido uma negociação dura intramuros para definir o quem entra e quem sai.
Por que não submeter a lista dos beneficiados pelas bondades governamentais a um intenso debate no nosso Congresso Nacional? E à ampla negociação?
O governo deve ter tido razões para definir a lista como definiu, mas o Legislativo talvez seja a válvula para quem não teve, neste caso, livre trânsito nos melhores gabinetes da Esplanada e do Planalto.
Cá, como lá, a democracia é sempre o melhor remédio.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (03) no Correio Braziliense.
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6 Comentários:
Belo texto.
Falta debate por aqui.
Sobre o que fazer com a economia, sobre o que fazer com o petróleo, sobre o qual posição adotar com relação à Síria, sobre o trem-bala, sobre os problemas da infra-estrutura do país, sobretudo os aeroportos, sobre as falcatruas que se erguem com relação a Copa do Mundo...e a lista segue.
O congresso não debate NADA.
A sociedade, então, parece que está em outra galáxia.
O sistema deles é podre, onde já se viu ter que negociar exaustivamente no Congresso e na Sociedade algo que por aqui passaria em questão de horas com o uso de uma Medida Provisória?
Mais uma vez, parabéns, Alon. Acertou na mosca ao abordar o que falta em tudo o que está acontecendo no País:
1) A presença de debates intensos no Parlamento. Ainda é cedo para avaliar o pacotaço de ontem, editado. Porém, numa primeira olhada, ficam claras as escolhas. E os chavões. A ver.
2) Outro aspecto, este, abundante, porém, as críticas pouco veladas aos problemas dos EUA. Como se estivesse aqui, o condão de elucidar o que os panacas dos gringos têm dificuldades em deslindar.
3) É lógico que tem coisa que não é falada em público. Porém, ao que consta, parcela muito significativa das reservas internacionais brasileiras, estão aplicadas em títulos da dívida soberana dos panacas dos gringos.
4) Ou seja, se o panaca do Obama não trabalhasse por um acordo, dentro de seu partido e no partido adversário, hoje, estar-se-ia contando, aqui, os grãos de pó da grana evaporada por lá, se é que o que evapora deixa pó.
5) E o rolo por aqui, permitiria ver os vários altares e tocos de velas e terços manipulados em prol de Obama, noites e noites adentro. Talvez até o eco de alguns atabaques e resquícios de fumaças de charutos ainda estivessem no ar.
Valeu, Da C.I.A. O pessoal ainda está naquela de que a cachaça de alambique daqui, é melhor que o "wiski" de alambique de lá. Trópicos...
Diferença entre as decisões pródigas e as avarentas ,está na razão direta da intensidade do uso da "guitarra".Os EUA, não tem propriamente um "Tesouro" ,possuem uma cornucópia.Talvez venha a faltar papel mas jamais "animus gastandi". Por aqui, curioso, capa-se 40 bi da CPMF,anuais; exigem redução de impostos e quando deduzem 20 bi e subsidiam a indústria, a mídia ,oposição o jornaleiro,acusam o governo de "estróina".Outros , queixam-se de sovinice,uns poucos de farsa.
Reclamam da qualidade do parlamento, porém,acusam de anti-democrata quando o governo lança mão de medidas provisórias.
Essa crise mostrou que no país da jabuticaba,as soluções, tem de ter a mesma originalidade.
Anônimo-quarta-feira, 3 de agosto de 2011 23h16min00s BRT, liberdade é poder pensar e expressar. Mas, também de discordar. Ou seja, há concordância que deve existir discordâncias com o governo seja ele qual for. Assim, não é a "mídia", nem a oposição e nem o jornaleiro que acusam o governo de nada. Quem está brigando é o governo com seu partido, sua base e seu antecessor. E as "soluções", não foram nada originais: jogaram o problema para a frente, como o estão fazendo outra vez.
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