Fora de moda (07/06)
É possível que a recepção do governo brasileiro a Shirin Ebadi seja menos fria do que o previsto. Mas a lutadora dos direitos humanos no Irã chega ao Brasil com certo atraso, os direitos humanos planetários já não são centrais na agenda do novo governo
A chegada da ativista e Nobel iraniana Shirin Ebadi acontece num momento em que Dilma Rousseff não precisaria de mais frentes de batalha, se pudesse escolher. Oportunidades políticas para atrapalhar o governo já há bastante.
O Palácio do Planalto deverá descascar mais este abacaxi. Nova janela de oportunidade para os críticos? Que fase!
Seria simples se o chanceler Antônio Patriota atendesse pelo nome de Celso Amorim, o sempre pronto a sacar a frase feita.
“O Brasil não interfere nos assuntos internos de outros países, e prefere ser discreto para alcançar resultados. Não vamos ceder a uma estridência que poderia se mostrar contraproducente.”
A doutrina não impediu que Amorim e o chefe se metessem nos assuntos internos de Honduras. Mas eram aspas sempre úteis para situações que exigiam dizer algo e fazer nada.
O governo Dilma/Patriota andou anunciando outro rumo, lembram?
O Brasil se tornaria referência mundial nos direitos humanos, agora inegociáveis. Para comprovar, o país votou contra o Irã na ONU, passo saudado como início da longa marcha dilmista rumo à diferenciação do antecessor, neste ponto específico.
Mas a vida real é mais complicada. E um dia a vida real colocou três opções para o Brasil sentado na cadeira rotativa do Conselho de Segurança da ONU.
Apoiar a ação contra Muamar Kadafi. Ou lavar as mãos diante da iminente aniquilação dos adversários do líder líbio. Ou lavar as mãos diante da iminente intervenção da Otan para impedi-la.
O Brasil cravou a alternativa C, absteve-se, um apoio limpinho à intervenção. Nem apoiou com firmeza a resolução afinal aprovada nem se opôs a que franceses, britânicos e americanos entrassem na guerra contra o presidente líbio.
Era o ensaio do recuo.
Pode ter-se reservado um espaço político para atuar como mediador, caso chamado, mas a centralidade dos direitos humanos foi deixada para lá.
Assim como são timidíssimas as reações brasileiras no novo e sangrento capítulo dos levantes árabes, a maciça repressão do governo sírio contra os adversários do presidente Bashar al-Assad.
Talvez haja aqui um constrangimento adicional, decorrente do acordo de cooperação entre o PT e o Partido Baath da Síria, celebrado anos atrás, quando ainda não havia nem cheiro da “Primavera Árabe”.
Explicações e justificativas à parte, nas novas circunstâncias não há mais vestígio da tal centralidade dos direitos humanos na política externa brasileira. Vem relativizada em favor de outra variável: a consolidação da influência regional do Brasil.
A tentativa de mediar um acordo entre o Irã e as potências em torno do programa nuclear de Teerã é uma sombra de outro tempo, quando o Brasil buscava projetar poder para além do limite em que seria capaz de fazê-lo valer.
Agora parece estar em outra. Garantir a América do Sul como seu espaço, para o que é importante manter o continente longe das confusões alheias. E bem longe da tentação de possuir armas de destruição em massa.
O Brasil anda numa fase algo isolacionista, sul-americana. Ou latina.
É possível que a recepção do governo brasileiro a Shirin Ebadi seja menos fria do que o previsto. Se acontecer, será surpresa. Sinal de que sobrou algo dos impulsos humanistas do pós-eleição.
Apesar de sempre bem-vinda, a valorosa lutadora dos direitos humanos no Irã chega ao Brasil com certo atraso.
Pois o humanismo pós-eleitoral do atual governo saiu de moda.
Mistificação
O governo disse que controlaria a inflação só com medidas macroprudenciais. Não colou e precisou aumentar mais os juros, e por um período maior.
Diante da nova disposição para combater a alta dos preços, estes perdem fôlego, o que faz o governo alardear que o macroprudencialismo venceu.
Como piada, é quase razoável.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça (07) no Correio Braziliense.
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A chegada da ativista e Nobel iraniana Shirin Ebadi acontece num momento em que Dilma Rousseff não precisaria de mais frentes de batalha, se pudesse escolher. Oportunidades políticas para atrapalhar o governo já há bastante.
O Palácio do Planalto deverá descascar mais este abacaxi. Nova janela de oportunidade para os críticos? Que fase!
Seria simples se o chanceler Antônio Patriota atendesse pelo nome de Celso Amorim, o sempre pronto a sacar a frase feita.
“O Brasil não interfere nos assuntos internos de outros países, e prefere ser discreto para alcançar resultados. Não vamos ceder a uma estridência que poderia se mostrar contraproducente.”
A doutrina não impediu que Amorim e o chefe se metessem nos assuntos internos de Honduras. Mas eram aspas sempre úteis para situações que exigiam dizer algo e fazer nada.
O governo Dilma/Patriota andou anunciando outro rumo, lembram?
O Brasil se tornaria referência mundial nos direitos humanos, agora inegociáveis. Para comprovar, o país votou contra o Irã na ONU, passo saudado como início da longa marcha dilmista rumo à diferenciação do antecessor, neste ponto específico.
Mas a vida real é mais complicada. E um dia a vida real colocou três opções para o Brasil sentado na cadeira rotativa do Conselho de Segurança da ONU.
Apoiar a ação contra Muamar Kadafi. Ou lavar as mãos diante da iminente aniquilação dos adversários do líder líbio. Ou lavar as mãos diante da iminente intervenção da Otan para impedi-la.
O Brasil cravou a alternativa C, absteve-se, um apoio limpinho à intervenção. Nem apoiou com firmeza a resolução afinal aprovada nem se opôs a que franceses, britânicos e americanos entrassem na guerra contra o presidente líbio.
Era o ensaio do recuo.
Pode ter-se reservado um espaço político para atuar como mediador, caso chamado, mas a centralidade dos direitos humanos foi deixada para lá.
Assim como são timidíssimas as reações brasileiras no novo e sangrento capítulo dos levantes árabes, a maciça repressão do governo sírio contra os adversários do presidente Bashar al-Assad.
Talvez haja aqui um constrangimento adicional, decorrente do acordo de cooperação entre o PT e o Partido Baath da Síria, celebrado anos atrás, quando ainda não havia nem cheiro da “Primavera Árabe”.
Explicações e justificativas à parte, nas novas circunstâncias não há mais vestígio da tal centralidade dos direitos humanos na política externa brasileira. Vem relativizada em favor de outra variável: a consolidação da influência regional do Brasil.
A tentativa de mediar um acordo entre o Irã e as potências em torno do programa nuclear de Teerã é uma sombra de outro tempo, quando o Brasil buscava projetar poder para além do limite em que seria capaz de fazê-lo valer.
Agora parece estar em outra. Garantir a América do Sul como seu espaço, para o que é importante manter o continente longe das confusões alheias. E bem longe da tentação de possuir armas de destruição em massa.
O Brasil anda numa fase algo isolacionista, sul-americana. Ou latina.
É possível que a recepção do governo brasileiro a Shirin Ebadi seja menos fria do que o previsto. Se acontecer, será surpresa. Sinal de que sobrou algo dos impulsos humanistas do pós-eleição.
Apesar de sempre bem-vinda, a valorosa lutadora dos direitos humanos no Irã chega ao Brasil com certo atraso.
Pois o humanismo pós-eleitoral do atual governo saiu de moda.
Mistificação
O governo disse que controlaria a inflação só com medidas macroprudenciais. Não colou e precisou aumentar mais os juros, e por um período maior.
Diante da nova disposição para combater a alta dos preços, estes perdem fôlego, o que faz o governo alardear que o macroprudencialismo venceu.
Como piada, é quase razoável.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça (07) no Correio Braziliense.
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3 Comentários:
Alon Feuerwerker,
É bem isso. Há uma vã pretensão de se dar importância ao que o país diz ou faz nas relações internacionais. Vai demorar o Brasil descobrir que o prestígio do Brasil era mais pretígio de Lula do que do país. E prestígio mais de caixeiro viajante. Até descobrir o país vai tendo rompantes de grandezas pensando que pode ser alguma coisa quando mesmo com Lula o país não era nada. Daqui uns 10 anos, como a quarta ou quinta economia do mundo talvez se dê ao país mais espaço na arena internacional, de onde ele vem sendo espulso vagarosamente, primeiro do Iraque, mais recentemente de Angola e Moçambique (Onde os chineses foram tomando espaço), agora da Líbia e de onde mais houver alguma pretensão brasileira.
Quanto à sua tese da mistificação eu tenho as minhas dúvidas. Já disse lá em seu post "Um governo ou dois?" de domingo, 10/04/2011 que o país parou de crescer no segundo semestre de 2010. Agora no primeiro trimestre houve um leve frêmito que se esvai no outono. E quem acompanhava a inflação mensal anualizada percebia que a curva de 2010 era muito próxima da curva de 2011, sendo que em 2010 não havia o carregamento da inflação do ano anterior que fora muito baixa.
Agora, não sou economista e reconheço que você tem o bom respaldo de grandes economistas em chamar de piada o governo dizer que o macroprudencialismo venceu. Respaldo que não muda mauito a história se lembrarmos aqui uma história que eu já repeti e que eu já enviei para dois posts no seu blog, "O modus operandi" de 16/03/2011 e outro mais antigo "Um apelo à ortodoxia" de 14/03/2011. Trata-se do comentário de Mário Henrique Simonsen sobre Marx, Friedman e Hayck, sem esquecer que Friedman e Hayck ganharam o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel. Saiu na revista Exame de 05/02/1992, pág. 13. No artigo Roberto Simonsem dizia a respeito de Karl Marx, Milton Friedman e Friedrich August von Hayck: "De fato, é preciso certa pobreza de espírito para levar qualquer dos três a sério, pelo menos dentro da perspectiva dos conhecimentos atuais".
Em suma talvez esteja também correto quem não tenha o respaldo de grande economistas.
Clever Mendes de Oliveira
BH, 07/06/2011
Pela matéria que ví hoje no Jornal da Cultura e em nota no portal Estadão (no Uol e Terra), nem uma vírgula sobre o assunto. A "presidenta", como gosta de ser chamada por motivos agora não tão óbvios, se recusou a receber Shirin Ebadi. Ela concedeu entrevista, mas não conseguí saber quem ou em que lugar ela foi "acolhida". Shirin elogiou a pressão do Brasil para evitar o apedrejamento de Sakineh Ashkin. Enfim, vou direto ao ponto. Achei lamentável para a imagem de Dilma, que seja, essa atitude. Quem vê uma mulher com essa história, essa luta, a vida no exílio e o Prêmio Nobel. Quem viu Dilma ontem, na recepção ao menino provocador que sabe o que faz Hugo Chávez e Palocci fazendo a maior figuração frente às câmeras, sorrindo até doer os maxilares, enfim, um show de horrores no governo em apenas dois dias.
1) Clever Mendes de Oliveira BH, 07/06/2011, Lula não tinha mais prestígio que o País. Ninguém tem mais prestígio que o País. O ex-presidente pode até achar que sim, mas, os resultados que deixou ao sair do governo não mostram isso. 2) No caso dos Direitos Humanos, durou pouco a propaganda de que seria implementada política externa diferente da anterior, no quesito DH. Não é a anterior, mas, também não é melhor ou diferente da anterior. Continua anódina. Os que apressaram a aplaudir, são obrigados a repensar o assunto.
Swamoro Songhay
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