Azar ou sorte? (31/03)
Dilma Rousseff têm manifestado algum desconforto com as tentativas de, segundo ela, colocar cunhas entre o governo atual e o anterior, do padrinho Luiz Inácio Lula da Silva. Para a presidente, quem apostar na separação entre criador e criatura vai perder.
É o óbvio ululante. Dilma, como Lula, é peça de um projeto político. O do PT.
Imaginar que daqui a três anos ambos vão brigar porque uma quer continuar e o outro quer voltar é coisa de amadores. O candidato oficial à Presidência em 2014 é Dilma, com o apoio de Lula.
Se bem que amador não falta por aqui.
Mudança na chapa? Só se Lula quiser ser vice. E vai ser difícil tirar o PMDB.
O outro lado da moeda é a administração Dilma operar a desconstrução programática do governo que lhe deu origem. Está acontecendo e tem razões objetivas.
A assimetria entre a popularidade de Lula e a votação dada à candidata do PT exibiu certa base objetiva para a oposição consolidar-se e organizar a caminhada de volta ao poder.
Uma eleição que era para terminar cedinho, como um passeio pela Champs Élysées (a de Paris), foi arrastada pelos cabelos até pelo menos metade do segundo turno. Coisa antes impensável. E impensada, tanto que produziu vexames.
Por isso a mudança, que é necessariamente uma desconstrução. Nos direitos humanos, no direito à propriedade, na recusa tática a chancelar os projetos mais explícitos de controle sobre as empresas de comunicação.
O movimento mais recente é na política econômica. O Lula "puro" era anti-inflacionista convicto. Convicção que foi esmaecendo conforme crescia a ansiedade eleitoral. Depois da passagem da faixa, a convicção parece ter desaparecido da Esplanada.
E na política externa? Lula investiu tempo, energia e recursos na aproximação com o mundo árabe e islâmico. O Brasil lutou para ser considerado jogador efetivo nas relações do resto do planeta com aquela parte da humanidade.
É aqui que o governo Dilma opera, até o momento, a retirada mais perceptível. Desde a eclosão da onda revolucionária democrática, na Tunísia, o Itamaraty está recolhido. Só não completamente porque de vez em quando solta notas oficiais anódinas, sem efeito prático.
O Brasil deu azar. Não era hora de estar no Conselho de Segurança. Ali é difícil praticar o esconde-esconde.
O Brasil de Dilma está mais preocupado em não afrontar os Estados Unidos e consolidar a influência nas vizinhançcas. Agora mesmo trabalha o apoio ao candidato etnocacerista no Peru, Ollanta Humala.
Fingir que nada acontece no mundo árabe é parte do jogo. Posicionar-se implicaria alguma perda. Ou esgarçaria as relações com a Venezuela e certas cleptocracias claudicantes, como Líbia e Síria, ou criaria problemas com Washington numa hora totalmente inconveniente.
Numa hora em que o novo governo cultiva a todo custo a boa vontade do establishment.
Disse que o Brasil deu azar de estar agora no Conselho de Segurança. Um azar administrável, bobagenzinha perto da sorte grande que é não ter conseguido até o momento a tão batalhada cadeira permanente.
Imagine o Brasil membro de primeira linha do Conselho de Segurança, com direito a veto e tendo que decidir sobre a intervenção na Líbia.
Se se abstivesse aprovaria na prática a interferência externa numa guerra civil interna daquele país amigo. Seria, como foi, um voto a favor escondidinho. Se votasse contra, derrubaria a proposta, pois membro permanente que vota contra veta.
Eis uma boa pergunta para o Itamaraty. "Se o Brasil fosse membro permanente do Conseho de Segurança e tivesse poder de veto teria igualmente se abstido na resolução 1973 ou votaria diferente do que votou?"
Decomposição
O presidente da Síria discursou mas não conseguiu ser original. Disse que a turbulência política em seu país obedece a um complô americano-israelense.
Vai colar? Aqui fora talvez. Lá dentro será mais difícil.
Os sírios, assim como os vizinhos, parecem desconfiar cada vez mais de que as teorias conspirativas e os belos discursos sobre a "resistência" são apenas biombo para a defesa desesperada de cleptocratas em avançado grau de decomposição.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quinta (30) no Correio Braziliense.
@alonfe
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