Um favor ao Brasil (27/02)
A linha do governo Dilma tem um lado muito bom. Obriga os agentes políticos a buscar nitidez. Força a existência de uma oposição e uma crítica nítidas
A política de Dilma Rousseff para o tratamento do Congresso Nacional vai delineando. Separar imediatamente os amigos dos inimigos. E aprovar o que der na telha, sem abrir espaço para qualquer negociação.
A oposição? Se assim desejar, que reclame no Judiciário. E segure a onda, pois vai ser acusada de “judicialização”.
O novo governo está no ápice do poder e parece ter gosto pelo exercício. Mais que isso, gosto por exibir. Um êxtase.
Na votação do salário mínimo montou uma armadilha para as centrais sindicais. Chamou ao palácio e permitiu a foto regulamentar, apenas para, na sequência, humilhá-las ao definir que nada havia a negociar. Uma crueldade.
O governo pôde fazer isso porque é quem mais conhece a real força — ou fraqueza — dos parceiros sindicalistas. E dos políticos. Sabe que não precisa, se não quiser, deixar espaço para o teatro. Não quis e não deixou.
E não deixou tampouco espaço para qualquer protagonismo da própria base. O papel dela é votar e agradecer a Deus o fato não estar na oposição.
Quem pode pode. O governo Dilma pode não apenas por causa da inédita maioria numérica no Congresso. Pode também por operar, em muitas frentes sensíveis, políticas que agradam demais aos aparelhos hegemônicos de produção e reprodução das ideias. Tão atacados num passado recente.
No salário mínimo, por exemplo, não dá para dizer que houve debate. Pareceu mais uma exibição de nado sincronizado.
Partiu-se de uma verdade absoluta, que não permitia contestação: o governo estava impossibilitado de dar mais do que o próprio governo decidisse que deveria dar. Qualquer outra coisa seria irresponsabilidade, populismo.
Mas essa linha de Dilma e do governo é boa ou ruim para o país?
Tem um lado muito bom. Pois obriga os agentes políticos e os críticos a buscar nitidez. Força a existência de uma oposição nítida. Maior ou menor, precisará buscar o tempo todo a construção do contraditório.
Precisará correr atrás de interlocução social. Precisará fazer força, intelectual e operacional.
Um pouco como a boa oposição feita pelo PT no passado. A cada projeto vindo do governo, achar os defeitos, as mistificações, as enganações numéricas, as picaretagens doutrinárias. Sempre há. E concentrar fogo nesses pontos.
E aguentar firme as críticas ao “irrealismo”, ao “antipatriotismo” e à “irresponsabilidade”.
Freio
Até onde a maioria parlamentar pode ir? Saberemos, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir a constitucionalidade da lei que permite ao governo fixar por decreto nos próximos anos o valor do salário mínimo.
O governo argumenta que a Constituição manda a lei fixar o valor do mínimo, não manda fazer isso todo ano.
A oposição argumenta que a Constituição manda a lei fixar o valor do mínimo, não um mecanismo para calcular o valor dele.
Como sempre lembra o ministro Marco Aurélio, a Constituição é o que o Supremo decide que ela é. O debate terá um viés técnico, mas o significado será político.
Saberemos se há nos poderes algum vetor de resistência ao Executivo. Com o Congresso anulado, vai ser um parâmetro para o futuro.
Duplo azar
As Nações Unidas movimentam-se para punir o regime fascista da Líbia.
Notícia mesmo é a Líbia de Muamar Gadafi fazer parte de um organismo da ONU responsável pela defesa dos direitos humanos. É um sintoma.
E o Brasil? Com muitos interesses comerciais na Líbia, talvez haja a tentação de fazer como os humanistas seletivos do governo turco: fazer vistas grossas quando o lunático de Trípoli manda massacrar o povo.
A coisa tem uma lógica. Se o governo é próximo dos Estados Unidos, a defesa dos direitos humanos adquire patamar de princípio e toda condenação é mais que bem-vinda. Se é adversário dos Estados Unidos, o fascismo e o genocídio se justificam, ou pelo menos podem ser relativizados.
Uma desmoralização completa.
Para azar de Dilma, aqui ela não pode optar pelo silêncio costumeiro. O Brasil não apenas está membro do Conselho de Segurança. O azar é duplo, estamos na Presidência.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (27) no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFe
youtube.com/blogdoalon
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo
A política de Dilma Rousseff para o tratamento do Congresso Nacional vai delineando. Separar imediatamente os amigos dos inimigos. E aprovar o que der na telha, sem abrir espaço para qualquer negociação.
A oposição? Se assim desejar, que reclame no Judiciário. E segure a onda, pois vai ser acusada de “judicialização”.
O novo governo está no ápice do poder e parece ter gosto pelo exercício. Mais que isso, gosto por exibir. Um êxtase.
Na votação do salário mínimo montou uma armadilha para as centrais sindicais. Chamou ao palácio e permitiu a foto regulamentar, apenas para, na sequência, humilhá-las ao definir que nada havia a negociar. Uma crueldade.
O governo pôde fazer isso porque é quem mais conhece a real força — ou fraqueza — dos parceiros sindicalistas. E dos políticos. Sabe que não precisa, se não quiser, deixar espaço para o teatro. Não quis e não deixou.
E não deixou tampouco espaço para qualquer protagonismo da própria base. O papel dela é votar e agradecer a Deus o fato não estar na oposição.
Quem pode pode. O governo Dilma pode não apenas por causa da inédita maioria numérica no Congresso. Pode também por operar, em muitas frentes sensíveis, políticas que agradam demais aos aparelhos hegemônicos de produção e reprodução das ideias. Tão atacados num passado recente.
No salário mínimo, por exemplo, não dá para dizer que houve debate. Pareceu mais uma exibição de nado sincronizado.
Partiu-se de uma verdade absoluta, que não permitia contestação: o governo estava impossibilitado de dar mais do que o próprio governo decidisse que deveria dar. Qualquer outra coisa seria irresponsabilidade, populismo.
Mas essa linha de Dilma e do governo é boa ou ruim para o país?
Tem um lado muito bom. Pois obriga os agentes políticos e os críticos a buscar nitidez. Força a existência de uma oposição nítida. Maior ou menor, precisará buscar o tempo todo a construção do contraditório.
Precisará correr atrás de interlocução social. Precisará fazer força, intelectual e operacional.
Um pouco como a boa oposição feita pelo PT no passado. A cada projeto vindo do governo, achar os defeitos, as mistificações, as enganações numéricas, as picaretagens doutrinárias. Sempre há. E concentrar fogo nesses pontos.
E aguentar firme as críticas ao “irrealismo”, ao “antipatriotismo” e à “irresponsabilidade”.
Freio
Até onde a maioria parlamentar pode ir? Saberemos, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir a constitucionalidade da lei que permite ao governo fixar por decreto nos próximos anos o valor do salário mínimo.
O governo argumenta que a Constituição manda a lei fixar o valor do mínimo, não manda fazer isso todo ano.
A oposição argumenta que a Constituição manda a lei fixar o valor do mínimo, não um mecanismo para calcular o valor dele.
Como sempre lembra o ministro Marco Aurélio, a Constituição é o que o Supremo decide que ela é. O debate terá um viés técnico, mas o significado será político.
Saberemos se há nos poderes algum vetor de resistência ao Executivo. Com o Congresso anulado, vai ser um parâmetro para o futuro.
Duplo azar
As Nações Unidas movimentam-se para punir o regime fascista da Líbia.
Notícia mesmo é a Líbia de Muamar Gadafi fazer parte de um organismo da ONU responsável pela defesa dos direitos humanos. É um sintoma.
E o Brasil? Com muitos interesses comerciais na Líbia, talvez haja a tentação de fazer como os humanistas seletivos do governo turco: fazer vistas grossas quando o lunático de Trípoli manda massacrar o povo.
A coisa tem uma lógica. Se o governo é próximo dos Estados Unidos, a defesa dos direitos humanos adquire patamar de princípio e toda condenação é mais que bem-vinda. Se é adversário dos Estados Unidos, o fascismo e o genocídio se justificam, ou pelo menos podem ser relativizados.
Uma desmoralização completa.
Para azar de Dilma, aqui ela não pode optar pelo silêncio costumeiro. O Brasil não apenas está membro do Conselho de Segurança. O azar é duplo, estamos na Presidência.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (27) no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFe
youtube.com/blogdoalon
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo
6 Comentários:
Alon, tendo como base o " Um favor para o Brasil", poderia me passar o link do artigo que escreveu sobre a "Lei delegada" de MG? Aguardo e agradeço desde já. Ah, que me desculpe quem cobra imparcialidade de jornalista [não creio que aja]. E pelos teus ultimos artigos sei para que lado você vai pular no carnaval de 2014. Abçs!
Alon Feuerwerker,
Ótimo post. Talvez eu possa dizer que não concorde com a idéia que haja uma mudança na condução do país e que poderia ser vista no seu seguinte parágrafo em especial na última frase:
"Quem pode pode. O governo Dilma pode não apenas por causa da inédita maioria numérica no Congresso. Pode também por operar, em muitas frentes sensíveis, políticas que agradam demais aos aparelhos hegemônicos de produção e reprodução das ideias. Tão atacados num passado recente".
Afinal a frase poderia ser dita no sentido inverso: "Aparelho hegemônico de reprodução de idéias que atacaram tanto no passado recente" e acrescentar e, no entanto, se calaram quando o ex-presidente acusou de oportunistas as lideranças sindicais.
Bem transferi para o blog de Rodrigo Vianna um comentário que eu fizera ontem, 26/02/2011, no Blogg Amoral Nato para o post "PT rumo ao centro; e oposição na UTI", reprodução de artigo que saíra no blog do Rodrigo Vianna na sexta-feira, 25/02/2011.
Hoje, ao transferir o comentário lembrei da semelhança com o que você dissera no post "A tentação tucana" de 11/01/2011 e com o que o Túlio Leal dissera nos comentários que ele enviara para o seu post.
Não é o seu caso, mas penso que mostrar distinções entre o atual governo e o anterior e distinções entre a posição anterior do "Aparelho hegemônico de reprodução de idéias que atacaram tanto no passado recente ou que foram atacadas tanto no passado recente" e a posição atual em que se calam (Onde houve uma crítica ao pequeno aumento do salário mínimo?) reside muito naquele preconceito sobre o qual Bernardo Kucinski brilhantemente escreveu no artigo intitulado "O preconceito contra Lula no jornalismo brasileiro" publicado originalmente na Revista do Brasil e que eu encontrei no site do Observatório do direito à comunicação datado de 22/01/2008.
A continuidade dos dois governos é melhor expressa pela presença de Antônio Palocci nos dois governos. Antônio Palocci que como médico e ex-prefeito no Minstério do Planejamento fazia a grande diferença entre Lula e Fernando Henrique Cardoso que tivera nos oito anos de mandato o ótimo técnico e negociador nos grandes fóruns internacionais, mas sem habilidade política, Pedro Malan.
Antônio Palocci para o qual se pode parodiar Camões:
"Deu mais a vida e alma e esperança e tudo quanto tinha para proteger Lula que já não lhe ficou mais de resto".
Paródia não muito correta, pois parece que ficou.
Clever Mendes de Oliveira
BH, 27/02/2011
1) O governo argumenta que a Constituição manda a lei fixar o valor do mínimo, não manda fazer isso todo ano.
Resposta: Pura enganação. O decreto presidencial é autoritário. Ponto.
2) A oposição argumenta que a Constituição manda a lei fixar o valor do mínimo, não um mecanismo para calcular o valor dele.
Resposta: Puro enchimento de linguiça. Deve falar e sustentar claramente que o decreto é autoritário. Ponto.
3) Como sempre lembra o ministro Marco Aurélio, a Constituição é o que o Supremo decide que ela é.
Resposta: Correto. Então vamos defenestrar logo essa geringonça , essa excrescência parasitária do decreto presidencial. Ponto.
Com o adendo: a presidente deveria ter vetado a excrescência do decreto presidencial, mas resolveu sancioná-lo sem vetos, um erro e um mal começo. Péssimo começo.
Swamoro Songhay
Alon Feuerwerker,
Ótimo post. Talvez eu possa dizer que não concorde com a idéia que haja uma mudança na condução do país e que poderia ser vista no seu seguinte parágrafo em especial na última frase:
"Quem pode pode. O governo Dilma pode não apenas por causa da inédita maioria numérica no Congresso. Pode também por operar, em muitas frentes sensíveis, políticas que agradam demais aos aparelhos hegemônicos de produção e reprodução das ideias. Tão atacados num passado recente".
Afinal a frase poderia ser dita no sentido inverso: "Aparelho hegemônico de reprodução de idéias que atacaram tanto no passado recente" e acrescentar e, no entanto, se calaram quando o ex-presidente acusou de oportunistas as lideranças sindicais. Como você disse, ou mesmo no sentido inverso fica parecendo que o novo governo faz uma política de agrado em relação aos aparelhos hegemônicos de reprodução das idéias que ao contrário do que existia no governo anterior
Bem tentei transferi para o blog de Rodrigo Vianna um comentário que eu fizera ontem, 26/02/2011, no Blogg Amoral Nato para o post "PT rumo ao centro; e oposição na UTI", reprodução de artigo que saíra no blog do Rodrigo Vianna na sexta-feira, 25/02/2011.
Hoje, ao enviar em transferência o comentário, lembrei da semelhança com o que você dissera no post "A tentação tucana" de 11/01/2011 e com o que o Túlio Leal dissera nos comentários que ele enviara para o seu post.
Não é o seu caso, mas penso que as análises que tentam mostrar distinções entre o atual governo e o anterior se fundam muito naquele preconceito sobre o qual Bernardo Kucinski brilhantemente escreveu no artigo intitulado "O preconceito contra Lula no jornalismo brasileiro" publicado originalmente na Revista do Brasil e que eu encontrei no site do Observatório do direito à comunicação datado de 22/01/2008, ou no que me parece seu caso, as análises com enfoque nas distinções ou na falta de distinções entre a posição anterior dos "aparelhos hegemônicos de reprodução de idéias que atacaram tanto no passado recente ou que foram atacadas tanto no passado recente" e a posição atual em que se calam ou até mesmo se elogiam reciprocamente governo e aparelhos (Onde houve uma crítica ao pequeno aumento do salário mínimo?) não dão (as análises não dão) a devida relevância ao preconceito como reprodutor de idéia.
Essas distinções para mim não são importantes. O que para mim é relevante e demonstra claramente o continuísmo na política posta em prática pelos dois governos pode ser expresso pela presença de Antônio Palocci nos dois governos. Antônio Palocci que como médico e ex-prefeito no Ministério da Fazenda fazia a grande diferença entre Lula e Fernando Henrique Cardoso que tivera nos oito anos de mandato no Ministério da Fazenda o ótimo técnico e negociador nos grandes fóruns internacionais, mas sem habilidade política, Pedro Malan.
Antônio Palocci para o qual se pode parodiar Camões:
"Deu mais a vida e alma e esperança e tudo quanto tinha para proteger Lula que já não lhe ficou mais de resto".
Paródia não muito correta, pois parece que ficou.
Clever Mendes de Oliveira
BH, 27/02/2011
Retificando comentário de domingo, 27 de fevereiro de 2011 13h27min00s BRT.
Com o adendo: a presidente deveria ter vetado a excrescência do decreto presidencial, mas resolveu sancioná-lo sem vetos, um erro e um mau começo. Péssimo começo.
Swamoro Songhay
Relaxa, Briguilino. Calma. Abs.
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