Parceiros desalinhados (22/02)
O mercado está pressionando o governo por mais juros? Pode ser. Mas por que os interessados na elevação encontram ambiente propício? Talvez porque desde algum tempo as declarações e gestos do governo na economia sofram de déficit de credibilidade
De uma década para cá a economia brasileira rege-se pelo chamado tripé macroeconômico. O setor público trabalha com responsabilidade fiscal, o câmbio flutua e o Banco Central persegue a meta de inflação. Uma dança sincronizada.
Há quem não goste, mas nenhum candidato na última eleição prometeu mudar o ritual.
Esse detalhe não tem maior importância, visto que a realidade pós-eleitoral descola-se progressivamente dos discursos pré-eleitorais. São dois universos paralelos. Mas não vou gastar tempo e energia aqui discutindo o passado.
Sobre o futuro, se as autoridades pretendem manter o tripé vai ser necessário prestar alguma atenção a desarranjos cada vez mais evidentes.
Um relevante é a falta de linguagem comum entre os dois parceiros da valsa, o governo e o mercado.
Nas últimas semanas o primeiro cansou de mandar sinais amigáveis ao segundo.
O juro básico subiu, as autoridades federais prometeram um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento Geral da União e, para arrematar, a presidente Dilma Rousseff passou um rolo compressor de bela magnitude na votação do salário mínimo na Câmara dos Deputados.
E há razão para supor que o Palácio do Planato vai repetir a exibição de força quando o mínimo for a voto no Senado.
Na teoria não falta nada. Bons propósitos, bons planos e capital político para executá-los.
Mesmo assim o mercado financeiro elevou a previsão para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2011, de 5,75% para 5,79%, apesar de confiar que a autoridade monetária vai continuar subindo a Selic.
Sem falar que, apesar das seguidas providências para impedir a supervalorização do real, o mercado ajustou para cima a cotação da moeda brasileira em relação ao dólar no fechamento de 2011.
Os de sempre estão pressionando o governo por mais juros? Pode ser. Mas por que os interessados na elevação encontram ambiente propício?
Talvez porque desde algum tempo as declarações e gestos do governo na economia sofram de déficit de credibilidade.
Na coluna de domingo notei que as diversas falas governamentais sobre o salário mínimo não dialogam entre si.
O governo diz que R$ 545 é o maior mínimo que pode pagar agora. Mas promete um aumento de 14% daqui a dez meses. Descontada a inflação, as receitas precisariam subir até lá o dobro do PIB.
Ou o governo planeja um belo aumento da carga tributária ou não terá dinheiro para pagar o aumento daqui a dez meses ou -mais provável- tem recursos para fixar agora um mínimo maior, mas prefere guardar dinheiro para despesas com juros e outras.
Talvez fosse o caso de as autoridades cuidarem mais do alinhamento das falas, pois o desalinhamento tem efeito perverso nas expectativas
Inclusive porque ajuste fiscal é fácil de anunciar e difícil de executar.
A hora bonita é quando os ministros sentam diante das câmeras e microfones para revelar que -e como- vão salvar o país. O difícil é segurar a despesa no dia-a-dia, ainda mais num governo vocacionado para gastar e chamar a si a solução dos gargalos nacionais.
A administração anterior equacionou em 2003 um cenário parecido adotando medidas drásticas logo de cara. A subida dos juros foi aguda e rápida, e ficou claro que o presidente da República bancaria o aperto fiscal necessário. Tudo isso com uma base parlamentar nem de longe tão forte como agora.
Enquanto o mercado supuser que a austeridade desta largada de governo Dilma Rousseff não será tão austera assim seguirá uma certa deterioração nas expectativas.
Que vai dar na inflação, essa senhora que bate à porta. Profecia autorrealizável? Eventualmente. Mas assim é a vida.
Bom debate
Os governadores recebem diretamente a pressão popular por mais e melhores serviços na saúde. E pressionam por uma solução política para o financiamento do setor. É legítimo.
O governo federal tem número para aprovar qualquer coisa no Congresso, inclusive aumento de impostos. O problema virá depois, quando apesar do incremento financeiro a saúde não exibir o avanço correspondente.
Será bom, também, saber as garantias de que o dinheiro a mais irá mesmo para a saúde. Vai haver vinculação constitucional? Mas como, se a legislação proposta é infraconstitucional?
Vai ser um belo debate.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça (22) no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFe
youtube.com/blogdoalon
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo
De uma década para cá a economia brasileira rege-se pelo chamado tripé macroeconômico. O setor público trabalha com responsabilidade fiscal, o câmbio flutua e o Banco Central persegue a meta de inflação. Uma dança sincronizada.
Há quem não goste, mas nenhum candidato na última eleição prometeu mudar o ritual.
Esse detalhe não tem maior importância, visto que a realidade pós-eleitoral descola-se progressivamente dos discursos pré-eleitorais. São dois universos paralelos. Mas não vou gastar tempo e energia aqui discutindo o passado.
Sobre o futuro, se as autoridades pretendem manter o tripé vai ser necessário prestar alguma atenção a desarranjos cada vez mais evidentes.
Um relevante é a falta de linguagem comum entre os dois parceiros da valsa, o governo e o mercado.
Nas últimas semanas o primeiro cansou de mandar sinais amigáveis ao segundo.
O juro básico subiu, as autoridades federais prometeram um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento Geral da União e, para arrematar, a presidente Dilma Rousseff passou um rolo compressor de bela magnitude na votação do salário mínimo na Câmara dos Deputados.
E há razão para supor que o Palácio do Planato vai repetir a exibição de força quando o mínimo for a voto no Senado.
Na teoria não falta nada. Bons propósitos, bons planos e capital político para executá-los.
Mesmo assim o mercado financeiro elevou a previsão para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2011, de 5,75% para 5,79%, apesar de confiar que a autoridade monetária vai continuar subindo a Selic.
Sem falar que, apesar das seguidas providências para impedir a supervalorização do real, o mercado ajustou para cima a cotação da moeda brasileira em relação ao dólar no fechamento de 2011.
Os de sempre estão pressionando o governo por mais juros? Pode ser. Mas por que os interessados na elevação encontram ambiente propício?
Talvez porque desde algum tempo as declarações e gestos do governo na economia sofram de déficit de credibilidade.
Na coluna de domingo notei que as diversas falas governamentais sobre o salário mínimo não dialogam entre si.
O governo diz que R$ 545 é o maior mínimo que pode pagar agora. Mas promete um aumento de 14% daqui a dez meses. Descontada a inflação, as receitas precisariam subir até lá o dobro do PIB.
Ou o governo planeja um belo aumento da carga tributária ou não terá dinheiro para pagar o aumento daqui a dez meses ou -mais provável- tem recursos para fixar agora um mínimo maior, mas prefere guardar dinheiro para despesas com juros e outras.
Talvez fosse o caso de as autoridades cuidarem mais do alinhamento das falas, pois o desalinhamento tem efeito perverso nas expectativas
Inclusive porque ajuste fiscal é fácil de anunciar e difícil de executar.
A hora bonita é quando os ministros sentam diante das câmeras e microfones para revelar que -e como- vão salvar o país. O difícil é segurar a despesa no dia-a-dia, ainda mais num governo vocacionado para gastar e chamar a si a solução dos gargalos nacionais.
A administração anterior equacionou em 2003 um cenário parecido adotando medidas drásticas logo de cara. A subida dos juros foi aguda e rápida, e ficou claro que o presidente da República bancaria o aperto fiscal necessário. Tudo isso com uma base parlamentar nem de longe tão forte como agora.
Enquanto o mercado supuser que a austeridade desta largada de governo Dilma Rousseff não será tão austera assim seguirá uma certa deterioração nas expectativas.
Que vai dar na inflação, essa senhora que bate à porta. Profecia autorrealizável? Eventualmente. Mas assim é a vida.
Bom debate
Os governadores recebem diretamente a pressão popular por mais e melhores serviços na saúde. E pressionam por uma solução política para o financiamento do setor. É legítimo.
O governo federal tem número para aprovar qualquer coisa no Congresso, inclusive aumento de impostos. O problema virá depois, quando apesar do incremento financeiro a saúde não exibir o avanço correspondente.
Será bom, também, saber as garantias de que o dinheiro a mais irá mesmo para a saúde. Vai haver vinculação constitucional? Mas como, se a legislação proposta é infraconstitucional?
Vai ser um belo debate.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça (22) no Correio Braziliense.
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3 Comentários:
O caso é que para aumentar o mínimo 12% no próximo ano não carece o PIB subir 12%. Basta as outras despesas do governo subirem pouco
Por que ninguém, incluindo o Alon, fala da Turquia? A Turquia que tinha uma politica semelhante a nossa em relação aos juros básicos , deu uma guinada de 360° e está indo muito bem.
Além do penduricalho ou excrescência do decreto presidencial, plantado/a na lei do novo SM, outra coisa que está prometendo muito para a próxima quadra será a tentativa de ressuscitar outra excrescência tão pior quanto: a CPMF. Um imposto ruim, incidente em cascata e pode não ir para o fim, meritório, anunciado. A União está necessitada de recursos. Com despesas rígidas para baixo, a garfada da CPMF seria um bom botim. O problema é que verba sempre tem. O que não se tem é dinheiro no cofre. Com a perspectiva de aprovar a CPMF, visto a força de governadores, difícil crer que não iniciar-se-ão ciclos de gastos por conta da nova verba.
Swamoro Songhay
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