Esperteza conhecida (06/02)
Há uma malandragem habitual na política brasileira. Antes da eleição, adular o eleitor médio. Depois, bater continência para uma certa opinião pública. Afinal, voto mesmo só daqui a quatro anos, não é?
Desde a eleição, nota-se um desconforto no ambiente. O incômodo é pela emergência de certa pauta conservadora, cujo aríete foi o debate ano passado sobre o aborto, na campanha presidencial.
O tema veio à rinha por iniciativa político-eleitoral do governo, quando assinou o decreto com a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3). Havia também uma entrevista pretérita da candidata Dilma Rousseff defendendo a descriminalização.
As coisas juntaram-se, como era previsível, e tiveram um efeito. A ação de igrejas potencializou a insatisfação (ou a dúvida), levou no primeiro turno votos principalmente para Marina Silva e ajudou um pouco a carregar José Serra para o segundo turno.
Aí veio o recuo. E Dilma comprometeu-se a não impulsionar no Congresso a revisão da lei. Estancado o vazamento, o assunto deixou de ter valor.
Mas deixou também cicatrizes sensíveis. E a valentia que faltou aos valentes para encampar militantemente a tese durante a campanha eleitoral reapareceu depois da eleição.
Tipo o sujeito cujo time perde o jogo e fica resmungando diante do videoteipe, na esperança de mudar o resultado.
Existe na política brasileira uma esperteza manjada. Antes do voto na urna, adular o eleitor comum. Depois, bater continência para uma certa opinião pública. Afinal, outra eleição só daqui a quatro anos, não é?
A presença da agenda conservadora soa também como o visitante não convidado que incomoda na festa.
De duas décadas para cá, petistas e tucanos decidiram que têm o monopólio não apenas da política brasileira mas também do poder de decidir que assuntos devem ser discutidos e quais não.
Um de cada vez, governam gostosamente com apoio do que, nas rodinhas de bem-pensantes, gostam de chamar de “atraso”. Não sem lamentar que tenham de fazer isso.
Propiciaram inclusive o surgimento de uma safra sebastianista, ocupada full-time em cantar a volta dos tempos quando ambos simbolizavam a “ética” e a “renovação”.
Imaginam que o debate na sociedade pode ser contingenciado como, por exemplo, o orçamento. E executado só quando convém. Assim, a legalização do aborto é pauta legítima se, e quando, proposta por quem é a favor. Mas ilegítima quando, e se, impulsionada por quem é contra.
Agora, para desgosto, uma pesquisa do canal de internet G1 entre parlamentares aponta que a agenda conservadora tem apoio majoritário. Confirma o verificado na campanha eleitoral. Verificação que também aparece em qualquer levantamento popular dos temas.
Talvez seja hora de parar com o cinismo e com a esperteza, de debater os assuntos de frente, não com resmungos em rodinhas ou nichos. Sem preconceitos ou interdições. E que cada um se exponha com suas ideias. E pague o preço por elas.
A presidente da República, pelo jeito, decidiu que o preço estava alto demais e mandou para casa o assessor que defendeu o fim das penas de prisão para pequenos traficantes.
Ainda que corra outra coisa. Ser surpreendida pela declaração incomodou mais que o conteúdo. Mas o resultado final foi a exoneração.
Delícia
Subiu bem a temperatura nos embates entre o governo e o PMDB pelo comando do setor elétrico.
Especialmente depois que o segundo passou a flertar — pelo menos oralmente — com a possibilidade de fazer uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na área.
Para verificar, afinal de contas, o passivo de cada um.
A coisa andou azedando o ambiente mas não tem chance de evoluir. Até por não receber apoio na oposição nominal.
Governar sem oposição é uma delícia, para o governo.
Para o país, é um problema.
Síntese
O PSDB veiculou quinta-feira seu programa de tevê. Com um detalhe. O partido não se deu ao trabalho de agradecer, simplesmente agradecer, aos quase 44 milhões de eleitores que saíram de casa para digitar o “45” na urna eletrônica.
A boa votação foi apresentada pelos tucanos como um atributo, e não algo pelo que o partido devesse ser grato ao eleitor.
Talvez seja uma síntese.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (06) no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFe
youtube.com/blogdoalon
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo
Desde a eleição, nota-se um desconforto no ambiente. O incômodo é pela emergência de certa pauta conservadora, cujo aríete foi o debate ano passado sobre o aborto, na campanha presidencial.
O tema veio à rinha por iniciativa político-eleitoral do governo, quando assinou o decreto com a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3). Havia também uma entrevista pretérita da candidata Dilma Rousseff defendendo a descriminalização.
As coisas juntaram-se, como era previsível, e tiveram um efeito. A ação de igrejas potencializou a insatisfação (ou a dúvida), levou no primeiro turno votos principalmente para Marina Silva e ajudou um pouco a carregar José Serra para o segundo turno.
Aí veio o recuo. E Dilma comprometeu-se a não impulsionar no Congresso a revisão da lei. Estancado o vazamento, o assunto deixou de ter valor.
Mas deixou também cicatrizes sensíveis. E a valentia que faltou aos valentes para encampar militantemente a tese durante a campanha eleitoral reapareceu depois da eleição.
Tipo o sujeito cujo time perde o jogo e fica resmungando diante do videoteipe, na esperança de mudar o resultado.
Existe na política brasileira uma esperteza manjada. Antes do voto na urna, adular o eleitor comum. Depois, bater continência para uma certa opinião pública. Afinal, outra eleição só daqui a quatro anos, não é?
A presença da agenda conservadora soa também como o visitante não convidado que incomoda na festa.
De duas décadas para cá, petistas e tucanos decidiram que têm o monopólio não apenas da política brasileira mas também do poder de decidir que assuntos devem ser discutidos e quais não.
Um de cada vez, governam gostosamente com apoio do que, nas rodinhas de bem-pensantes, gostam de chamar de “atraso”. Não sem lamentar que tenham de fazer isso.
Propiciaram inclusive o surgimento de uma safra sebastianista, ocupada full-time em cantar a volta dos tempos quando ambos simbolizavam a “ética” e a “renovação”.
Imaginam que o debate na sociedade pode ser contingenciado como, por exemplo, o orçamento. E executado só quando convém. Assim, a legalização do aborto é pauta legítima se, e quando, proposta por quem é a favor. Mas ilegítima quando, e se, impulsionada por quem é contra.
Agora, para desgosto, uma pesquisa do canal de internet G1 entre parlamentares aponta que a agenda conservadora tem apoio majoritário. Confirma o verificado na campanha eleitoral. Verificação que também aparece em qualquer levantamento popular dos temas.
Talvez seja hora de parar com o cinismo e com a esperteza, de debater os assuntos de frente, não com resmungos em rodinhas ou nichos. Sem preconceitos ou interdições. E que cada um se exponha com suas ideias. E pague o preço por elas.
A presidente da República, pelo jeito, decidiu que o preço estava alto demais e mandou para casa o assessor que defendeu o fim das penas de prisão para pequenos traficantes.
Ainda que corra outra coisa. Ser surpreendida pela declaração incomodou mais que o conteúdo. Mas o resultado final foi a exoneração.
Delícia
Subiu bem a temperatura nos embates entre o governo e o PMDB pelo comando do setor elétrico.
Especialmente depois que o segundo passou a flertar — pelo menos oralmente — com a possibilidade de fazer uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na área.
Para verificar, afinal de contas, o passivo de cada um.
A coisa andou azedando o ambiente mas não tem chance de evoluir. Até por não receber apoio na oposição nominal.
Governar sem oposição é uma delícia, para o governo.
Para o país, é um problema.
Síntese
O PSDB veiculou quinta-feira seu programa de tevê. Com um detalhe. O partido não se deu ao trabalho de agradecer, simplesmente agradecer, aos quase 44 milhões de eleitores que saíram de casa para digitar o “45” na urna eletrônica.
A boa votação foi apresentada pelos tucanos como um atributo, e não algo pelo que o partido devesse ser grato ao eleitor.
Talvez seja uma síntese.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (06) no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFe
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6 Comentários:
O que vc trata como malandragem, é simplesmente política, desde o início dos tempos.
Alon
“A ação de igrejas potencializou a insatisfação (ou a dúvida), levou no primeiro turno votos principalmente para Marina Silva e ajudou um pouco a carregar José Serra para o segundo turno.”
Sim. Mas em que medida? Será que a medida não está sendo superestimada em detrimento de outras? Será que o surto “conservador” é mesmo a principal variável no entendimento dos votos levados por Marina e por Serra? Foi esta variável a determinante principal do segundo turno?
Os números do segundo turno em 2006 e 2010
Lula: 58.295.042 (60,83)
Alckmin: 37.543.178 (39,17)
Diferença: 20.751.864 (21,65%/total votos válidos)
Votos: 101.998.221
Votos válidos: 95.838.220 (93,96%)
Dilma: 55.752.092 (56,05%)
Serra: 43.710.422 (43,95%)
Diferença: 12.041.670 (12,11%/ total votos válidos)
Seções: 400.001
Seções Apuradas: 399.979 (99,99%)
Votos: 106.604.687
Válidos: 99.462.514 (93,30%)
A diferença entre Lula e Alckmin relativamente aos votos válidos em 2006 foi 20.751.864 (21,65%/total votos válidos).
A diferença entre Dilma e Serra relativamente aos votos válidos em 2010 foi 12.041.670 (12,11%/ total votos válidos).
Em números absolutos, a diferença favorável ao PT de 2006 caiu em 8.710.194 de votos em 2010. E isso sem ponderar o crescimento dos votos válidos de 2006 para 2010. Ou seja, ao mesmo tempo que observamos o crescimento de votos válidos de 2006 para 2010, vemos a piora considerável nos números do PT em 2010, relativamente ao número de votos válidos. Por outro lado, e com o mesmo parâmetro, a oposição cresceu consideravelmente de 2006 para 2010. Ou seja, Dilma no segundo turno ficou bem longe do desempenho de Lula em 2006.
A diferença entre os totais de votos válidos em 2006 e 2010 foi pouco mais de 3.264.000.
Conclusão: parte considerável dos votos petistas em 2006 migrou para a oposição em 2010.
No primeiro turno, os votos da oposição distribuíram-se principalmente entre Serra e Marina. No segundo turno, Serra cresceu quase 11 milhões de votos. Dilma cresceu 8 milhões. Lembro que Marina obteve pouco mais que 19.636.000 de votos. A chamada oposição nanica “de esquerda” obteve em torno de 1.000.000 de votos.
E esse crescimento da oposição no segundo turno explicar-se-ia sobretudo pela tese do “surto conservador”? Essa explicação por si só é inconsistente. Há mais coisas aí que não foram captadas e analisadas com o devido cuidado.
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“Talvez seja uma síntese”. Não. É uma síntese.
Tudo indica que o primo do PT escolheu preparar a partir de 2011 o caminho da composição “progressista” contra as “forças do atraso” para 2014. A ver no transcurso do governo Dilma como os primos se entenderão.
Abs.
Ademais, fica um pouco difícil classificar como "progressistas" os apoios e votos de fiés e da cúpula de grandes igrejas evangélicas à candidata do governo. Apoio, ao que parece e supostamente, ainda em vigor, inclusive com força do que chamam de sua, deles, "mídia". O aparente complicador é que, mesmo com o fato da então candidata ter manifestado concordâncias com teses não bem aceitas por tais organizações religiosas e ter afirmado e posado como alguém com sólida formação católica. Ou seja, o estorvo não estorvou ou resolveu não estorvar.
Swamoro Songhay
Democracia não depende de votos? Pois então, como você pensa que deve se dar um projeto de poder? Já sei, você prega a franqueza. Bem o Stalin talvez tenha sido super franco quando se empenhou na conquista do socialismo. Ele uma grande guerra e sempre foi franco, até quando acordou com Hitler dentro de suas fronteiras...
Exatamente. A Democracia depende de votos livres e secretos, tanto para candidato da situação, como para candidato da oposição. Se projeto dee poder depende de falcatruas, de cinismo ou de montanhas de cadáveres, então, é caso de polícia e não de política.
Swamoro Songhay
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