Sem czar na economia (12/01)
Será mais fácil para a presidente trocar auxiliares quando houver falta de desempenho, mas os eventuais problemas caem agora direto na conta da titular
O ex-ministro Delfim Netto costuma ironizar quem trata Economia como ciência exata. Esse tipo de ironia não costuma dar ibope, pois a cena está tomada pelos guardiães do sumo-sacerdócio da autoridade monetária, tratada como entidade acima do bem e do mal.
O instigante é tentar compreender por quê, tendo feito tudo certo, os dirigentes da economia e das finanças trouxeram o país para a atual encalacrada. Que talvez não seja ainda sensível ao cidadão comum, anestesiado pelo real forte. Mas existe.
Segundo o presidente que acaba de deixar o cargo, nossa situação não é menos que espetacular. Na vida real há porém uns probleminhas. Apesar da maior taxa de juros real do planeta, a inflação está aí.
Eis um mistério. Todos os relatos, aqui dentro e lá fora, dizem que somos uma economia em ordem, com as contas públicas institucionalmente disciplinadas, uma autoridade monetária independente e um consenso nacional solidificado em torno do manejo da macroeconomia.
Então por que raios nossos juros estão mais adequados ao último da classe, e mesmo assim funcionam mal? Eis um mistério. A resposta comum joga a culpa no endividamento público. Mas tampouco podemos ser mal classificados nessa categoria.
O Estado brasileiro deve pouco, na comparação. E o aumento da capacidade estatal de investir exigirá mais dívida. Se é legítimo uma empresa endividar-se para alavancar a produção, por que não o governo?
Existe a dívida boa e a dívida ruim. A primeira funciona como multiplicadora de riqueza. Quem não faz dívida é obrigado a vender patrimônio ou a tirar dinheiro de alguém. Não existe almoço grátis.
O problema da dívida pública brasileira não é o estoque, mas a finalidade e o fluxo. A dívida ruim é a feita para cobrir custeio. E juros altos transformam um estoque razoável num fluxo amargo.
Os juros também estão na origem da armadilha do câmbio. O Banco Central e o Ministério da Fazenda têm operado medidas paliativas, cujo estardalhaço no anúncio só é comparável à timidez dos resultados obtidos com elas.
Mas nada disso é novo, ainda que discorrer sobre o cenário seja sempre útil. A novidade agora, pelo menos no cotejo com as duas últimas décadas, é uma presidente da República que se sobrepõe completamente ao czar da economia. Aliás, não há czar da economia no governo Dilma Rousseff.
Se o ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso era indemissível por Itamar Franco, se Pedro Malan era imexível por FHC, se Antônio Palocci e Henrique Meirelles eram os avalistas do governo Luiz Inácio Lula da Silva diante do onipotente mercado, agora não há figura homóloga.
O que traz duas consequências. Será mais fácil para a presidente trocar auxiliares quando houver falta de desempenho, mas os eventuais problemas caem agora direto na conta da titular.
Muitos e nenhum
Os sinais exteriores são de desarranjo na articulação política do governo. Mas os sinais exteriores podem enganar, pois a política tem destas coisas: tudo parece desarrumado e na hora certa ajeita-se.
Entretanto, assim como na economia, também na política Dilma parece preferir a ausência de blindagem. Pois quem tem mais de um articulador político não tem nenhum.
O real articulador político do governo é sempre o presidente da República. Que costuma indicar um ministro para a área porque precisa de um culpado toda vez que é preciso (ou desejável) dizer "não".
Sobre as circunstâncias do cargo, aliás, ninguém ainda superou na descrição o um dia ministro de Relações Institucionais e hoje ministro do Tribunal de Contas da União José Múcio Monteiro: "Se a vaga de presidente da República está reservada para quem ganha a eleição, o cargo de articulador político deveria ser obrigatoriamente preenchido por quem perdeu. Como castigo."
Conto do vigário
Cresce no PMDB a sensação de ter caído num conto do vigário quando acreditou nas juras de amor eterno lançadas pelo PT antes da eleição. Ou melhor, antes da convenção.
Na prática, o peemedebismo avalia ter recebido um posto quase decorativo (a vice-presidência), perdido espaço na esplanada e reforçado, ao protestar e pressionar, a imagem de sigla de grande apetite.
Fora as ameaças palacianas de contornar os chefes peemedebistas e negociar diretamente com a soldadesca.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (12) no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFe
youtube.com/blogdoalon
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo
O ex-ministro Delfim Netto costuma ironizar quem trata Economia como ciência exata. Esse tipo de ironia não costuma dar ibope, pois a cena está tomada pelos guardiães do sumo-sacerdócio da autoridade monetária, tratada como entidade acima do bem e do mal.
O instigante é tentar compreender por quê, tendo feito tudo certo, os dirigentes da economia e das finanças trouxeram o país para a atual encalacrada. Que talvez não seja ainda sensível ao cidadão comum, anestesiado pelo real forte. Mas existe.
Segundo o presidente que acaba de deixar o cargo, nossa situação não é menos que espetacular. Na vida real há porém uns probleminhas. Apesar da maior taxa de juros real do planeta, a inflação está aí.
Eis um mistério. Todos os relatos, aqui dentro e lá fora, dizem que somos uma economia em ordem, com as contas públicas institucionalmente disciplinadas, uma autoridade monetária independente e um consenso nacional solidificado em torno do manejo da macroeconomia.
Então por que raios nossos juros estão mais adequados ao último da classe, e mesmo assim funcionam mal? Eis um mistério. A resposta comum joga a culpa no endividamento público. Mas tampouco podemos ser mal classificados nessa categoria.
O Estado brasileiro deve pouco, na comparação. E o aumento da capacidade estatal de investir exigirá mais dívida. Se é legítimo uma empresa endividar-se para alavancar a produção, por que não o governo?
Existe a dívida boa e a dívida ruim. A primeira funciona como multiplicadora de riqueza. Quem não faz dívida é obrigado a vender patrimônio ou a tirar dinheiro de alguém. Não existe almoço grátis.
O problema da dívida pública brasileira não é o estoque, mas a finalidade e o fluxo. A dívida ruim é a feita para cobrir custeio. E juros altos transformam um estoque razoável num fluxo amargo.
Os juros também estão na origem da armadilha do câmbio. O Banco Central e o Ministério da Fazenda têm operado medidas paliativas, cujo estardalhaço no anúncio só é comparável à timidez dos resultados obtidos com elas.
Mas nada disso é novo, ainda que discorrer sobre o cenário seja sempre útil. A novidade agora, pelo menos no cotejo com as duas últimas décadas, é uma presidente da República que se sobrepõe completamente ao czar da economia. Aliás, não há czar da economia no governo Dilma Rousseff.
Se o ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso era indemissível por Itamar Franco, se Pedro Malan era imexível por FHC, se Antônio Palocci e Henrique Meirelles eram os avalistas do governo Luiz Inácio Lula da Silva diante do onipotente mercado, agora não há figura homóloga.
O que traz duas consequências. Será mais fácil para a presidente trocar auxiliares quando houver falta de desempenho, mas os eventuais problemas caem agora direto na conta da titular.
Muitos e nenhum
Os sinais exteriores são de desarranjo na articulação política do governo. Mas os sinais exteriores podem enganar, pois a política tem destas coisas: tudo parece desarrumado e na hora certa ajeita-se.
Entretanto, assim como na economia, também na política Dilma parece preferir a ausência de blindagem. Pois quem tem mais de um articulador político não tem nenhum.
O real articulador político do governo é sempre o presidente da República. Que costuma indicar um ministro para a área porque precisa de um culpado toda vez que é preciso (ou desejável) dizer "não".
Sobre as circunstâncias do cargo, aliás, ninguém ainda superou na descrição o um dia ministro de Relações Institucionais e hoje ministro do Tribunal de Contas da União José Múcio Monteiro: "Se a vaga de presidente da República está reservada para quem ganha a eleição, o cargo de articulador político deveria ser obrigatoriamente preenchido por quem perdeu. Como castigo."
Conto do vigário
Cresce no PMDB a sensação de ter caído num conto do vigário quando acreditou nas juras de amor eterno lançadas pelo PT antes da eleição. Ou melhor, antes da convenção.
Na prática, o peemedebismo avalia ter recebido um posto quase decorativo (a vice-presidência), perdido espaço na esplanada e reforçado, ao protestar e pressionar, a imagem de sigla de grande apetite.
Fora as ameaças palacianas de contornar os chefes peemedebistas e negociar diretamente com a soldadesca.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (12) no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFe
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5 Comentários:
"Se é legítimo uma empresa endividar-se para alavancar a produção, por que não o governo?"
Porque não existe endividamento sem risco, Alon. E, nesse caso, o risco é do contribuinte.
1) No que dá para perceber, o Real perde valor com a inflação acima da meta. Com o mecanismo remanescente de indexação, a inflação passada, pode alimentar a futura, via reajustes de salários e preços inclusive de contratos. O caminho poderá ser mesmo o de esfriar a economia via cortes de gastos e investimentos. Por enquanto, o czar é a presidente.
2) A articulação política do governo parece ser essa mesmo: defender a presidente de qualquer coisa, antes da avaliação dos 100 dias regulamentares. Depois de avaliado, começará a verdadeira ação, no mesmo diapasão: a presidente é intocável.
3) Se existe conto, o PMDB já deve ter ganho o púlpito e trocado o vigário. No momento deve estar tratando da reforma do templo. Quem acredita ter o PMDB acreditado em algo em que não aceitasse?
Swamoro Songhay
não se esqueça que sendo ela economista pode estar tentada a ser o czar...
MAM
MAM-quarta-feira, 12 de janeiro de 2011 18h24min00s. Não por ser economista, mas por ser presidente.
Swamoro Songhay
Alon Feuerwerker,
Um bom post. Não vejo, entretanto, muita razão de se recriminar a ex-presidente por tecer loas a situação econômica brasileira. Não creio que ele disse que a situação econômica do Brasil não é menos que espetacular, mas se o PIB de 2010 crescer a uma taxa mais próxima de 8% penso que a nossa situação é ótima.
É bem verdade que se a taxa de crescimento do PIB for mais próxima de 7% é de se imaginar que o PIB já esteja crescendo a taxas muito baixas e a tendência seria a estagnação. Então os dados em março é que nos vão esclarecer mais.
Além disso, devemos ter em conta que um dos grandes problemas que o Brasil está enfrentando é a baixa taxa de juro americana. Se os Estados Unidos tiverem que aumentar o juro, não só a inflação externa será menor e, portanto, o juro interno não precisará subir tanto, como também haverá recuperação do dólar e a taxa de câmbio vai permitir a recuperação das exportações do setor industrial brasileiro. Infelizmente a subida do juro americano parece que vai ficar para as calendas gregas e nós teremos que tomar medidas mais efetivas para tornar o câmbio mais competitivo. Creio que está faltando coragem ao governo. Desde Lula, falta essa coragem, mas no caso do governo Lula, o câmbio baixo teve o objetivo específico de favorecer a campanha presidencial. E eles tiveram êxito. Aliás, sempre considerei a coragem uma demonstração de falta de inteligência. Vai ver que é isso e o atual governo esteja torcendo para o juro americano subir e resolver os nossos problemas, evitando tomar medidas que não contam com o apoio da grande mídia que já conseguiram convencer a população que os mais favorecidos com a desvalorização da moeda são os grandes empresários exportadores.
Clever Mendes de Oliveira
BH, 25/01/2011
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