Gênios e imbecis (30/01)
O "debate" entre as autoridades brasileiras e os números do Fundo Monetário Internacional é típico. Como o FMI passou do elogio à crítica, trata-se de desqualificá-lo. A desqualificação da crítica era norma no governo anterior e a retomada do método talvez seja sintoma de dificuldades.
Tem sido assim nos últimos anos. Quando o Brasil é elogiado "lá fora", inclusive pelo Banco Mundial, FMI e outros ex-demônios, é um ativo político aqui dentro. Quando é criticado, em vez de contra-atacar no mérito prefere a desqualificação. Os gênios que nos elogiam transformam-se nos imbecis que nos criticam.
Cansado da retórica? Deseja saber onde, afinal, está a verdade? Concentre-se nos fatos. A pressão da inflação é um fato. Tanto é que o Banco Central retomou a alta do juro básico. E o BC é um órgão do governo brasileiro, não do FMI.
A acusação é que as contas públicas afrouxaram em 2010. O governo diz que foi um mecanismo anticíclico. Os críticos refutam, afirmam que a economia ano passado já estava bem e que o expansionismo fiscal teve motivação política. Para empurrar o crescimento a um patamar eleitoral, não sustentável.
Um debate instigante. Entrementes, o paciente continua febril.
Nos últimos tempos o Brasil é acusado de recorrer a maquiagens na contabilidade para fingir que está tudo bem, quando talvez não esteja. O superávit primário é suspeito de ter virado peça de ficção.
As autoridades econômicas parecem magoar-se com as críticas. Compreensível e humano. Para além da mágoa, porém, há um detalhe. A inflação mudou de patamar na reta final do governo anterior.
A guerra retórica e a multiplicidade de versões oficiais são uma marca dos dias recentes.
Parece haver certo consenso sobre a necessidade de um corte orçamentário na casa das muitas dezenas de bilhões. Ele pode ser feito virtualmente com facilidade, amputando-se da peça tudo que é sonho, tudo que não seria mesmo executado.
Especialmente no capítulo das emendas parlamentares. Resolveria o problema no papel. Mas só no papel.
E os cortes reais? Aqui o governo desfila desencontros diários. Vai cortar do PAC ou não vai? A cada dia uma receita. E o custeio? Fora o desejo de não deixar o salário mínimo desgarrar, até agora ninguém disse nada de prático a respeito. Há um cheiro de enrolação no ambiente.
Os médicos não se entendem, cada um tem uma receita, estão todos ciosos da necessidade de proteger a reputação, estapeiam-se para brilhar diante das câmeras, falam mal dos colegas de fora. Mas, infelizmente, o paciente continua com febre. Esse é um fato.
Falta alguém para por ordem na casa.
A saída
Parece haver apenas um consenso na crise egípcia. Ninguém tem certeza absoluta do poder que vai emergir para restaurar a autoridade do Estado.
A Casa Branca parece apostar num processo controlado de renovação democrática no mundo árabe. Os documentos e informações vazados da diplomacia americana exibem forte ativismo nesse sentido.
O nacionalismo e a reforma árabes no século 20 eram impulsionados por vetores socialistas, terceiro-mundistas e militares. Os dois primeiros esmaeceram.
Há um certo temor (para outros é esperança) de que a revolta árabe derive para regimes islâmicos de viés opressivo e beligerante.
Pode acontecer, desde que os vetores democratizantes não se mostrem capazes de oferecer uma reorganização social baseada no bem-estar e na segurança.
Há porém outra variável. Mantido um mínimo de ordenamento democrático, o partidarismo islâmico talvez precise enquadrar-se em algum grau. Foi o que aconteceu estes dias no Líbano.
Mas é debate em boa medida vazio de conteúdo. Quando um regime político apodrece, é porque as dúvidas e os medos diante do futuro perderam importância relativa.
Ganha que tem mais força e capacidade de oferecer uma alternativa hegemônica.
No Egito, pela história e pelo momento, quem está na posição-chave são as Forças Armadas e não o Islã.
Ainda que Hosni Mubarak venha da dinastia militar, herdeira da revolução antimonárquica e nacionalista de meados do século passado. É sucessor de Gamal Nasser e Anuar Sadat.
Os grandes movimentos reformistas no mundo árabe moderno sempre dependeram do catalisador militar. Se for diferente desta vez, será uma surpresa.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (30) no Correio Braziliense.
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