A falta de um Uiquilíquis (08/12)
Seria fascinante conhecer as mensagens trocadas entre a diplomacia e o governo brasileiros nos episódios mais delicados dos anos recentes, situações em que os personagens ainda estão aí
O mais intrigante no manancial de documentos tornados públicos pelo WikiLeaks é até agora não terem trazido novidade digna do nome. Pensando bem, tem uma sim: os vazamentos revelaram o abismo entre a política real e quanto dela vem a público.
Inclusive no Brasil. Com a exposição das vísceras das mensagens secretas do Departamento de Estado, ficamos sabendo, por exemplo, que quando o assunto são conexões aqui do terrorismo existem mais coisas entre o céu e a terra do que supunha nossa vã filosofiazinha.
Alguma novidade nisso? Nenhuma, apenas que o tema costuma repousar na prateleira dos ignorados, e agora foi diferente. Está na hora de colocar a lupa sobre a Tríplice Fronteira para que, pelo menos, o país todo saiba o que vai ali.
Um capítulo especial da papelada, no nosso caso, são as relações recentes entre o Brasil e os Estados Unidos. Revela-se que mais habitual é os parceiros estarem de acordo. Diferenças são exceção, em geral dizem respeito a irrelevâncias.
Em Honduras, Brasil e Estados Unidos estavam de acordo ao caracterizar a deposição de Manuel Zelaya como golpe de estado. Não há aqui juízo de valor do colunista, apenas constatação. A mensagem do representante americano aos superiores não deixa dúvidas.
Onde esteve então a diferença, a ponto de a coisa acabar azedando as relações entre “o cara” e o cara que disse que ele era “o cara”?
Talvez tenha estado na distância entre o profissionalismo e o amadorismo. Washington tinha informação suficiente e sabia que Zelaya não reunia suporte político para impor uma saída que o beneficiasse. Brasília não tinha, ou não soube usar.
Abre parênteses. Pode se criticar o conteúdo do trabalho de coleta de informações da diplomacia americana. Mas eles trabalham, e duro. E nós? Fecha parênteses.
Quanto das nossas trapalhadas em Honduras se deveram a falta de informação, e quanto a sede de protagonismo ou viés ideológico, eis um bom assunto para os historiadores. Na prática, enfiamo-nos ali num labirinto do qual se espera que a nova presidente saiba sair.
Que falta faz um “WikiLeaks” nacional! Um Uiquilíquis. Alguém suficientemente corajoso para reproduzir no nosso microcosmo o que Julian Assange perpetrou em escala global.
Seria fascinante conhecer as mensagens trocadas pela diplomacia e o governo brasileiros nos episódios mais delicados dos anos recentes, situações em que os personagens ainda estão aí.
Em Honduras, saberíamos se foram os diplomatas a informar mal os governantes, ou se estes enrolaram-se por conta própria.
Os temas há aos montes. Quem sugeriu ao presidente da República apostar todas as fichas no discurso pelo livre comércio e nos apelos à retomada das negociações da Rodada Doha no fim de 2008, quando a eclosão da crise já permitia antever o recrudescimento do protecionismo? Quem lhe informou haver chances de sucesso?
Quem propôs ao presidente intervir na crise planetária das finanças alavancando o G20 como fórum global de reforma do sistema financeiro?
Por quê, e com base em que avaliação precisamente, o governo brasileiro ajustou seu discurso nos debates sobre o aquecimento global, transitando da posição “os ricos criaram o problema, eles que resolvam” para uma de “participação construtiva”?
Matéria prima não faltaria.
No vagão
A minissérie dos ministérios do PMDB terminou como esperado. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos.
Governo no comecinho, fresquinho que nem pão quente, ninguém vai brigar para valer. Melhor se ajeitar num vagão de segunda classe do que ficar fora do trem.
Governos são dinâmicos, e quem está por perto, e bem, sempre tem mais chance de mudar de vagão mais adiante.
E de vez em quando nem precisa trocar. Em governos centralizados e centralizadores, a capacidade de influenciar politicamente costuma superar as delícias de dominar uma caneta formalmente cheia de tinta.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (08) no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFe
youtube.com/blogdoalon
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O mais intrigante no manancial de documentos tornados públicos pelo WikiLeaks é até agora não terem trazido novidade digna do nome. Pensando bem, tem uma sim: os vazamentos revelaram o abismo entre a política real e quanto dela vem a público.
Inclusive no Brasil. Com a exposição das vísceras das mensagens secretas do Departamento de Estado, ficamos sabendo, por exemplo, que quando o assunto são conexões aqui do terrorismo existem mais coisas entre o céu e a terra do que supunha nossa vã filosofiazinha.
Alguma novidade nisso? Nenhuma, apenas que o tema costuma repousar na prateleira dos ignorados, e agora foi diferente. Está na hora de colocar a lupa sobre a Tríplice Fronteira para que, pelo menos, o país todo saiba o que vai ali.
Um capítulo especial da papelada, no nosso caso, são as relações recentes entre o Brasil e os Estados Unidos. Revela-se que mais habitual é os parceiros estarem de acordo. Diferenças são exceção, em geral dizem respeito a irrelevâncias.
Em Honduras, Brasil e Estados Unidos estavam de acordo ao caracterizar a deposição de Manuel Zelaya como golpe de estado. Não há aqui juízo de valor do colunista, apenas constatação. A mensagem do representante americano aos superiores não deixa dúvidas.
Onde esteve então a diferença, a ponto de a coisa acabar azedando as relações entre “o cara” e o cara que disse que ele era “o cara”?
Talvez tenha estado na distância entre o profissionalismo e o amadorismo. Washington tinha informação suficiente e sabia que Zelaya não reunia suporte político para impor uma saída que o beneficiasse. Brasília não tinha, ou não soube usar.
Abre parênteses. Pode se criticar o conteúdo do trabalho de coleta de informações da diplomacia americana. Mas eles trabalham, e duro. E nós? Fecha parênteses.
Quanto das nossas trapalhadas em Honduras se deveram a falta de informação, e quanto a sede de protagonismo ou viés ideológico, eis um bom assunto para os historiadores. Na prática, enfiamo-nos ali num labirinto do qual se espera que a nova presidente saiba sair.
Que falta faz um “WikiLeaks” nacional! Um Uiquilíquis. Alguém suficientemente corajoso para reproduzir no nosso microcosmo o que Julian Assange perpetrou em escala global.
Seria fascinante conhecer as mensagens trocadas pela diplomacia e o governo brasileiros nos episódios mais delicados dos anos recentes, situações em que os personagens ainda estão aí.
Em Honduras, saberíamos se foram os diplomatas a informar mal os governantes, ou se estes enrolaram-se por conta própria.
Os temas há aos montes. Quem sugeriu ao presidente da República apostar todas as fichas no discurso pelo livre comércio e nos apelos à retomada das negociações da Rodada Doha no fim de 2008, quando a eclosão da crise já permitia antever o recrudescimento do protecionismo? Quem lhe informou haver chances de sucesso?
Quem propôs ao presidente intervir na crise planetária das finanças alavancando o G20 como fórum global de reforma do sistema financeiro?
Por quê, e com base em que avaliação precisamente, o governo brasileiro ajustou seu discurso nos debates sobre o aquecimento global, transitando da posição “os ricos criaram o problema, eles que resolvam” para uma de “participação construtiva”?
Matéria prima não faltaria.
No vagão
A minissérie dos ministérios do PMDB terminou como esperado. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos.
Governo no comecinho, fresquinho que nem pão quente, ninguém vai brigar para valer. Melhor se ajeitar num vagão de segunda classe do que ficar fora do trem.
Governos são dinâmicos, e quem está por perto, e bem, sempre tem mais chance de mudar de vagão mais adiante.
E de vez em quando nem precisa trocar. Em governos centralizados e centralizadores, a capacidade de influenciar politicamente costuma superar as delícias de dominar uma caneta formalmente cheia de tinta.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (08) no Correio Braziliense.
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1 Comentários:
Não vai ser uiquelíques. Quando a moda pegar, no Brasil vai ser VazaBarris. Como você diz, vai ser bem saudável.
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