A variável do ambiente (29/10)
Um dado curioso neste fim de Era Lula: ao impulsionar a transformação do pobre em classe média o PT ajuda a desenhar um país teoricamente menos permeável às ideias remanescentes do PT original
Passada a eleição, haverá inevitável louvação aos vencedores e igualmente esperadas críticas aos derrotados. É da natureza humana. Quem vencer terá feito tudo certo. E quem perder deverá receber em silêncio a batelada de laudos dos engenheiros de obra feita.
Mas a verdade é que o homem interpreta um papel no teatro da História a partir de enredo constrangido. Não há improvisos sem limite, ninguém é livre para fazer o que bem entende.
A ação política é em larga medida delimitada pelo ambiente, pelo espírito predominante na época. Um exemplo é o debate atual sobre as privatizações.
No começo dos anos 90 o cansaço era com o Estado ineficaz e perdulário. Duas décadas e algumas crises financeiras depois o Estado é visto pela maioria como a reserva de segurança contra as incertezas do capitalismo.
Eis uma vantagem comparativa e competitiva do PT nestes dias. Ele rema a favor do espírito do tempo, numa época em que o vento estatista ainda não encontrou entre nós seu limite. Já o PSDB carrega os bônus e os ônus de ter ajudado a arrastar o país pelos cabelos para um capitalismo mais merecedor do nome.
Mas os tempos dão sinais de esgotamento, e um sintoma foram os vinte milhões de votos recebidos por Marina Silva no primeiro turno. O eleitor está à cata de alternativas. Além disso, o Brasil que chamarei de moderno -na falta de nome melhor- anda em relativo descompasso com o país ainda hegemônico.
O equilíbrio político que vai resultar da eleição, se confirmados os prognósticos, será resultado dessa contradição entre os vetores da hegemonia e do cansaço com ela.
E o equilíbrio, disfarçado pela maioria ilusória que qualquer governo alcançará no Congresso, exigirá em teoria uma grande reserva de paciência do presidente para negociar num regime de 24x7x365.
O Brasil que vai sair das eleições terá dado o recado sobre seu perfil plural e contraditório. E aqui desempenha um fator: o crescimento acelerado da classe média, cujos valores tendem a mimetizar o pensamento do topo social.
Um dado curioso neste fim de Era Lula: ao impulsionar a transformação do pobre em classe média o PT ajuda a desenhar um país teoricamente menos permeável às ideias remanescentes do PT original.
Com o tempo, irá crescer a importância de temas como, por exemplo, o direito à propriedade. Será função da democratização da propriedade. Quem passa a ter algo de seu fica menos permeável à pregação de que os que têm precisam transferir uma parte para os que não têm.
Se o altruísmo fosse natural no homem não precisaríamos das leis terrenas, nem das divinas.
Celebração
Como não basta botar ovos, e informar tê-los posto é prudente, o Papa Bento 16 celebrou ontem com bispos brasileiros no Vaticano a vitória da Igreja Católica neste segundo turno, quando ajudou a impor à candidata do PT o recuo no tema da legalização do aborto.
Fica a lição, em particular para o governo. Popularidade não é tudo. Se desejam introduzir assuntos polêmicos na pauta, para faturarem em nichos, melhor preparar-se para o contraditório.
Ou então preparar antecipadamente a retirada. Que poderá ser embalada em cores de indignação, mágoa e revolta contra a "injustiça", mas será sempre uma retirada.
UnB
Participo hoje pela manhã na Faculdade de Comunicação da UnB do seminário “Democracia e Jornalismo na Era Digital”, uma parceria com a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Vou dividir a mesa com o professor Luiz Gonzaga Motta.
O debate será às 11h no auditório da faculdade.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (29) no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFe
youtube.com/blogdoalon
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo
Passada a eleição, haverá inevitável louvação aos vencedores e igualmente esperadas críticas aos derrotados. É da natureza humana. Quem vencer terá feito tudo certo. E quem perder deverá receber em silêncio a batelada de laudos dos engenheiros de obra feita.
Mas a verdade é que o homem interpreta um papel no teatro da História a partir de enredo constrangido. Não há improvisos sem limite, ninguém é livre para fazer o que bem entende.
A ação política é em larga medida delimitada pelo ambiente, pelo espírito predominante na época. Um exemplo é o debate atual sobre as privatizações.
No começo dos anos 90 o cansaço era com o Estado ineficaz e perdulário. Duas décadas e algumas crises financeiras depois o Estado é visto pela maioria como a reserva de segurança contra as incertezas do capitalismo.
Eis uma vantagem comparativa e competitiva do PT nestes dias. Ele rema a favor do espírito do tempo, numa época em que o vento estatista ainda não encontrou entre nós seu limite. Já o PSDB carrega os bônus e os ônus de ter ajudado a arrastar o país pelos cabelos para um capitalismo mais merecedor do nome.
Mas os tempos dão sinais de esgotamento, e um sintoma foram os vinte milhões de votos recebidos por Marina Silva no primeiro turno. O eleitor está à cata de alternativas. Além disso, o Brasil que chamarei de moderno -na falta de nome melhor- anda em relativo descompasso com o país ainda hegemônico.
O equilíbrio político que vai resultar da eleição, se confirmados os prognósticos, será resultado dessa contradição entre os vetores da hegemonia e do cansaço com ela.
E o equilíbrio, disfarçado pela maioria ilusória que qualquer governo alcançará no Congresso, exigirá em teoria uma grande reserva de paciência do presidente para negociar num regime de 24x7x365.
O Brasil que vai sair das eleições terá dado o recado sobre seu perfil plural e contraditório. E aqui desempenha um fator: o crescimento acelerado da classe média, cujos valores tendem a mimetizar o pensamento do topo social.
Um dado curioso neste fim de Era Lula: ao impulsionar a transformação do pobre em classe média o PT ajuda a desenhar um país teoricamente menos permeável às ideias remanescentes do PT original.
Com o tempo, irá crescer a importância de temas como, por exemplo, o direito à propriedade. Será função da democratização da propriedade. Quem passa a ter algo de seu fica menos permeável à pregação de que os que têm precisam transferir uma parte para os que não têm.
Se o altruísmo fosse natural no homem não precisaríamos das leis terrenas, nem das divinas.
Celebração
Como não basta botar ovos, e informar tê-los posto é prudente, o Papa Bento 16 celebrou ontem com bispos brasileiros no Vaticano a vitória da Igreja Católica neste segundo turno, quando ajudou a impor à candidata do PT o recuo no tema da legalização do aborto.
Fica a lição, em particular para o governo. Popularidade não é tudo. Se desejam introduzir assuntos polêmicos na pauta, para faturarem em nichos, melhor preparar-se para o contraditório.
Ou então preparar antecipadamente a retirada. Que poderá ser embalada em cores de indignação, mágoa e revolta contra a "injustiça", mas será sempre uma retirada.
UnB
Participo hoje pela manhã na Faculdade de Comunicação da UnB do seminário “Democracia e Jornalismo na Era Digital”, uma parceria com a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Vou dividir a mesa com o professor Luiz Gonzaga Motta.
O debate será às 11h no auditório da faculdade.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (29) no Correio Braziliense.
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2 Comentários:
Alon: você toca num ponto importante. Ao estimular o crescimento da classe média se terá uma maioria conservadora que não tem apelo para o discurso socialista. Algo como dizem aconteceu com Ceascescu, por um fator demográfico, a juventude que o derrubou foi a mesma que ele estimulou nascer com os programas de incentivo à natalidade. Isso é dialético, o fortalecimento do fatores afirmativos levam ao enfrquecimento relativo da negação. Isso é como você diz, um capitalismo, de estilo americano , baseado no consumo de massa, mais verdadeiro. Ouso aventar a hipótese que FHC e Lula estão no mesmo projeto, aquele que foi vitorioso na Constituição de 88. Ter tido Serra e Dilma e não um deles contra Agripino Mais já é a prova disso. De qualquer modo quando mais na frente isso também se esgotar, o curso da história mostará algo bem diferente.
Alon, em algum aspecto o post propicia reflexões sobre algo que era muito falado: ponto de ruptura. Durante a chamada Revolução do Cravos, em Portugal, dizia-se que a abertura da principal academia militar portuguesa a jovens da classe média para baixo, gerou os que deram fim à era salazarista. Ou seja, o ponto de ruptura fora aquela abertura. Verdade ou não, a era salazarista ruiu. Agora, você faz uma abordagem que lembra a emergência de algum ponto de ruptura no PT. Se é que este já não ocorreu, dado a barafunda de afirmações e recuos que vem protagonizando há tempos. Aliás mais recuos que não seriam só táticos, mas de pontes queimadas.
Swamoro Songhay
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