Dualidade de poder (31/08)
No comecinho do governo Luiz Inácio Lula da Silva prevaleceu a ideia de não trazer organicamente o PMDB para o governo. A sustentação política seria obtida com uma maioria não esmagadora no Congresso, combinada ao diálogo com a oposição em torno de uma agenda comum. Da conversa de Lula com os governadores nasceram as propostas de reforma previdenciária e tributária.
Ambas deram conta do recado no primeiro ano de governo, mas a tática esgotou-se ali mesmo, na largada. A Previdência Social desencadeou uma guerra no Congresso e o projeto de um governo “de minoria” se revelaria fonte de inúmeras dores de cabeça, desembocando na grande crise de 2005. Essa curva de aprendizado o PT já percorreu, tanto que está hoje firmemente agarrado ao PMDB.
Por isso o bom senso e a prudência recomendam algum ceticismo em relação à proposta da “mão estendida”, ensaiada por Dilma Rousseff. Se eleita, Dilma terá tantas chances de obter um “governo de conciliação” quanto vai ter José Serra, caso vença. Pela mesma razão que a estratégia de 2003 deu com os burros n'água. Só é possível a união nacional em torno do governo quando a oposição abre mão de seu próprio projeto de poder.
Isso pode acontecer em duas circunstâncias. Quando a oposição não se organiza em torno de um único centro ou quando fica extremamente fragilizada. E o segundo quadro costuma resultar no primeiro.
Se, por hipótese, Lula conseguisse emplacar vitórias do PT e do PMDB em São Paulo e Minas Gerais transformaria o PSDB num ator político pouco relevante, o que facilitaria o trabalho de Dilma no Planalto. Mas o petismo começa a emitir outro tipo de sinal. De que um PMDB excessivamente forte tampouco interessa. Assim, o tom beligerante em último grau deverá, caso as tendências se confirmem, ser substituído por apelos à razão e ao patriotismo da oposição. É do jogo, mas também é divertido de olhar.
É interessante também porque replica algo da estratégia tucana dos anos 90. Posicionar-se firmemente no centro, podendo aliar-se de um lado ou de outro, conforme a necessidade. O que atrapalhava um pouco o PSDB era o PT/Lula ter projeto de poder. Agora com os tucanos no papel de desafiantes, é o que tem atrapalhado o PT e deixado o partido de Lula mais dependente do PMDB do que seria saudável. No governo, o PSDB enfrentava o mesmo desconforto com o PFL (hoje DEM).
O leitor já reparou que trato aqui de uma quadro partidário complexo, com ampla variação de alianças possíveis, para todos os gostos. O que afasta um pouco o temor da tal “mexicanização”. Aliás, sempre que um partido se fortalece em Brasília e ameaça estender sua hegemonia pelo país o assunto volta. Aconteceu com a Arena em 1970, com o PMDB em 1986 e com o PSDB em 1994.
O risco de um único partido tomar conta da política no Brasil é residual. O gigante que ameaça nascer do sucesso de público (de crítica, nem tanto) da administração Lula não é o PT, mas o PMDB. Talvez esteja também aí um motivo para Lula falar seguidamente em liderar um bloco político a partir de 2011, reunindo o PT às pequenas e médias siglas de esquerda. E aí vai uma boa razão para Dilma amaciar um pouco para a oposição.
Como o governismo acredita que já ganhou a eleição, faz sentido.
O desfecho mais provável dos oito anos de Lula será um tabuleiro com várias peças expressivas, não uma. Se eleita, mesmo a caloura Dilma não cometerá o erro de imaginar que poderá escantear o peemedebismo ou flertar com a oposição a custo zero. O veterano PMDB terá maneiras, convincentes, de manifestar seu desgrado.
É para isso que talvez Lula esteja a se preparar, quando rascunha seu projeto de líder popular no comando uma frente partidária e sindical à margem do governo. É ainda obscuro o que o presidente realmente planeja, mas trata-se de um embrião de poder dual.
Percebeu
O PSDB parece ter percebido que deixar o candidato presidencial à deriva pode implicar desastres nas guerras estaduais. Desta vez, o tradicional “cada um por si” teria boa chance de levar todos ao naufrágio.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça no Correio Braziliense.
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