O Brasil e as Farc (21/07)
A guerra civil colombiana é porta de entrada para a ingerência externa e para a relativização da liderança brasileira. Uma solução pacífica e negociada seria o ideal, nos moldes do que aconteceu em El Salvador
É conveniente para o governo e para a oposição, para o PT e para o PSDB-DEM, que o tema das relações entre o Brasil e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) permaneça na penumbra.
O assunto incomoda o PT, cujas conexões no plano internacional não são necessariamente coerentes com o papel atual, de partido governante numa democracia que ele e os aliados históricos um dia chamaram de “burguesa”.
E a nebulosidade é também útil à oposição, pronta a agitar o espantalho das Farc quando convém, sem precisar dizer o que ela própria faria com o assunto se chegasse ao Planalto.
Diversas forças políticas brasileiras -inclusive da hoje oposição- já mantiveram ou mantêm contatos com membros das Farc, para efeitos humanitários ou políticos (e é sempre complicado estabelecer uma linha divisória clara entre as duas modalidades).
No caso do PT, a proximidade é maior por razões óbvias. Em certo momento, o partido decidiu lançar o Foro de São Paulo, para coordenar a ação política da esquerda latino-americana depois do colapso do socialismo no Leste Europeu. As Farc estavam no pacote.
Mas isso é passado. A questão é saber o que fazer agora. Enquanto os demais membros do Foro ou decidiram ou foram constrangidos a adaptar-se à democracia, as Farc optaram pela continuação da luta armada. Pior: degeneraram.
Transformaram-se num agrupamento cujas principais formas de luta são o sequestro e o terrorismo. E cuja maior fonte de financiamento são a proteção e a associação ao narcotráfico. Daí que o tema das Farc esteja diretamente ligado, por exemplo, ao enfrentamento do crime organizado no Brasil.
As Farc são uma anomalia na América do Sul. A Colômbia é hoje um país democrático e a disputa pelo poder deve ser feita na legalidade. Mas o objetivo das Farc é diverso: é destruir o estado democrático na Colômbia e substituí-lo por outro, no âmbito de um projeto bolivariano, de integração revolucionária anti-imperialista.
O incômodo aparentado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva quando as Farc entram em pauta é reflexo das contradições internas da administração. Como em outros temas -um deles é a conveniência, para o Brasil, de o Irã produzir sua bomba nuclear- não há unidade.
A divisão não impede -aliás impõe- que o governo e o PT tratem o assunto com suavidade. Um sintoma? A Esplanada está pontilhada de gente disposta a defender radicalmente os direitos humanos em muitas situações, mas não nesta.
Defende-se que a tortura é crime imperdoável. Mas os sequestros das Farc não são também uma forma de infligir deliberadamente sofrimento físico e psicológico, ao sequestrado e a seus entes queridos, para alcançar objetivos políticos? Qual é a diferença, no essencial?
Este governo, infelizmente, só gosta de fazer juízos morais sobre o alheio, e quando convém. Sobre si próprio e os amigos, seleciona, conforme o interesse, os casos em que a moral deve comandar as ações políticas. Ou não.
Governo e oposição poderiam aproveitar a campanha eleitoral para acabar com o faz de conta sobre as Farc. Interessa ao Brasil que a guerrilha colombiana deixe de existir, deixe de representar uma ameaça à integração democrática do continente, peça-chave do nosso projeto nacional. O que o próximo governo fará a respeito?
A guerra civil colombiana é porta de entrada para a ingerência externa e para a relativização da liderança brasileira. Uma solução pacífica e negociada seria o ideal, nos moldes do que aconteceu em El Salvador.
Não vai ser fácil. Teria que envolver, entre outras medidas dolorosas, uma anistia ampla e mesmo a integração dos contingentes das Farc ao exército regular.
Parece-lhe absurdo? Pois a guerrilha já se transformou num meio de vida para dezenas de milhares de pessoas. E isso tem que ser levado em consideração.
Lula poderia ter tido um papel maior no imbroglio colombiano. Não teve. Mostrou alheamento em relação a um tema tão próximo e sensível.
Talvez para não melindrar o colega Hugo Chávez, num problema que o presidente da Venezuela considera mais dele. Paciência: a Venezuela tem os interesses dela e nós temos os nossos.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (21) no Correio Braziliense.
Deseja perguntar-me algo?
Leituras compartilhadas
twitter.com/AlonFe
youtube.com/blogdoalon
Assine este blog no Bloglines
Clique aqui para mandar um email ao editor do blog
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo
É conveniente para o governo e para a oposição, para o PT e para o PSDB-DEM, que o tema das relações entre o Brasil e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) permaneça na penumbra.
O assunto incomoda o PT, cujas conexões no plano internacional não são necessariamente coerentes com o papel atual, de partido governante numa democracia que ele e os aliados históricos um dia chamaram de “burguesa”.
E a nebulosidade é também útil à oposição, pronta a agitar o espantalho das Farc quando convém, sem precisar dizer o que ela própria faria com o assunto se chegasse ao Planalto.
Diversas forças políticas brasileiras -inclusive da hoje oposição- já mantiveram ou mantêm contatos com membros das Farc, para efeitos humanitários ou políticos (e é sempre complicado estabelecer uma linha divisória clara entre as duas modalidades).
No caso do PT, a proximidade é maior por razões óbvias. Em certo momento, o partido decidiu lançar o Foro de São Paulo, para coordenar a ação política da esquerda latino-americana depois do colapso do socialismo no Leste Europeu. As Farc estavam no pacote.
Mas isso é passado. A questão é saber o que fazer agora. Enquanto os demais membros do Foro ou decidiram ou foram constrangidos a adaptar-se à democracia, as Farc optaram pela continuação da luta armada. Pior: degeneraram.
Transformaram-se num agrupamento cujas principais formas de luta são o sequestro e o terrorismo. E cuja maior fonte de financiamento são a proteção e a associação ao narcotráfico. Daí que o tema das Farc esteja diretamente ligado, por exemplo, ao enfrentamento do crime organizado no Brasil.
As Farc são uma anomalia na América do Sul. A Colômbia é hoje um país democrático e a disputa pelo poder deve ser feita na legalidade. Mas o objetivo das Farc é diverso: é destruir o estado democrático na Colômbia e substituí-lo por outro, no âmbito de um projeto bolivariano, de integração revolucionária anti-imperialista.
O incômodo aparentado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva quando as Farc entram em pauta é reflexo das contradições internas da administração. Como em outros temas -um deles é a conveniência, para o Brasil, de o Irã produzir sua bomba nuclear- não há unidade.
A divisão não impede -aliás impõe- que o governo e o PT tratem o assunto com suavidade. Um sintoma? A Esplanada está pontilhada de gente disposta a defender radicalmente os direitos humanos em muitas situações, mas não nesta.
Defende-se que a tortura é crime imperdoável. Mas os sequestros das Farc não são também uma forma de infligir deliberadamente sofrimento físico e psicológico, ao sequestrado e a seus entes queridos, para alcançar objetivos políticos? Qual é a diferença, no essencial?
Este governo, infelizmente, só gosta de fazer juízos morais sobre o alheio, e quando convém. Sobre si próprio e os amigos, seleciona, conforme o interesse, os casos em que a moral deve comandar as ações políticas. Ou não.
Governo e oposição poderiam aproveitar a campanha eleitoral para acabar com o faz de conta sobre as Farc. Interessa ao Brasil que a guerrilha colombiana deixe de existir, deixe de representar uma ameaça à integração democrática do continente, peça-chave do nosso projeto nacional. O que o próximo governo fará a respeito?
A guerra civil colombiana é porta de entrada para a ingerência externa e para a relativização da liderança brasileira. Uma solução pacífica e negociada seria o ideal, nos moldes do que aconteceu em El Salvador.
Não vai ser fácil. Teria que envolver, entre outras medidas dolorosas, uma anistia ampla e mesmo a integração dos contingentes das Farc ao exército regular.
Parece-lhe absurdo? Pois a guerrilha já se transformou num meio de vida para dezenas de milhares de pessoas. E isso tem que ser levado em consideração.
Lula poderia ter tido um papel maior no imbroglio colombiano. Não teve. Mostrou alheamento em relação a um tema tão próximo e sensível.
Talvez para não melindrar o colega Hugo Chávez, num problema que o presidente da Venezuela considera mais dele. Paciência: a Venezuela tem os interesses dela e nós temos os nossos.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (21) no Correio Braziliense.
Deseja perguntar-me algo?
Leituras compartilhadas
twitter.com/AlonFe
youtube.com/blogdoalon
Assine este blog no Bloglines
Clique aqui para mandar um email ao editor do blog
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo
16 Comentários:
Borduna
O PT precisa sair rapidamente da catatonia usual perante os ataques da corja serrista. Se quer mesmo processar Índio e sua tribo, que o faça logo, em grande estilo, armando barraco, pedindo cadeia, fortunas e impugnações. Caso não possua tanta convicção, deve reagir como Paris Hilton: jogando o cabelo para trás, num riso de escárnio e gostosura, ignorando os invejosos e seguindo em frente.
Desse jeito, reverberando as bravatas com ameaças vazias, não pode continuar. Enquanto a imprensa fabrica o mito da procuradora eleitoral apartidária (e na página ao lado ecoa baixarias que em outros tempos chocariam o prurido ético dos comentaristas), a campanha de Dilma Rousseff cai na armadilha, engole pautas alheias e apanha de graça.
Essa coisa de misturar alhos com bugalhos e dizer que todos são iguais tem de acabar.
A Oposição "DEM/PSDB" não se comportou e não se comporta de maneira igual quanto as FARCs.
O DEM nunca manteve qualquer relacionamento com a mesma. Desafio o Jornalista a mostrar prova de sua afirmação.
O PSDB registra 1 contato institucional e em 1998. Muito antes das mudanças que transformaram as FARCs em narcoterroristas ou apenas narcotraficantes, como parece ser agora.
É muito diferente do histórico de proximidade e apoio dado pelo PT e que foi amplamente divulgado na imprensa nacional e estrangeira.
A ressalva é dever de justiça.
Concluindo.
A Oposição tem mais é que mostrar as ações da Situação.
O Governo e sua Candidata têm o dever de esclarecer as FARCs, o apoio às invasões do MST, o 3º PNDH, a quebra do sigilo do EJ, o uso da máquina, o Programa assinado e rubricado e por aí afora.
Campanha é isso aí: esclarecimento.
Se perder, a Oposição que aprenda, como bem sempre o Blogueiro ressalva: oposição é permanente e não sazonal.
Que o eleitorado escolha.
Integrar as Farc no exército regular? Quero só ver essa.
Alon, parece que a Venezuela tem os interesses dela, Chaves tem os dele, o Brasil idem, assim como o PT. Não, eles não coincidem.
Alon, a guerrilha não é meio de sustento para ninguém na Colômbia, o tráfico de cocaína sim, e os sequestros.
A Colômbia tem 40 milhões de habitantes. As Farc não passam de 8 mil pessoas, em péssimas condições. Não há integração ao Exército possível, apenas à vida civil, e esquecer o passado. Já sairiam ganhando.
Neste final de semana conversei com um amigo que acabou de voltar de um convívio de um mês com as Farc nas matas colombianas. Fiquei impressionado com a riqueza de detalhes e com o jogo de imagem que se faz da guerrilha na imprensa. Por menos que pareça, ela continua forte e cheio de idealismo. Pode ser que estejam ultrapassados, mas muito mais ricos do que os lobistas e oportunistas políticos de plantão. Em breve, o convívio desse meu amigo será tema de reportagem de tv.
Propor a negociação com terroristas e sequestradores é no mínimo um acinte! Tenho certeza que toda uma economia bélica gira em torno da Al-Qaeda e por isso deveríamos pensar na "integração dos contingentes [...] ao exército regular"??? É um absurdo completo!
Alon, tenho extrema admiração pelos seus escritos, sempre íntegros e equilibrados, mas tudo tem limites; propor soluções negociadas com estes vermes terroristas não tem cabimento. A única solução viável é tolerância zero e extermínio desta corja, sob pena de contaminação de toda estrutura democrática do continente.
Absorver estes tipos em um exercito regular é pedir futuros problemas. Desculpe, mas não posso concordar com você.
Abraço.
Admir
No que discordo: não vejo inibição alguma nas oposições brasileiras com relação ao assunto Farc. A meu ver, salvo óbvia falta de informação, uma coisa é o governo constitucional colombiano e outra é a oposição armada, dentre estas as Farc. Pelo que consta, o Brasil tem relações diplomáticas normais com governo constitucional colombiano. Apesar de algumas carrancas, como se, de repente, estivesse mirando o bicho-papão. No que concordo: não sei se integração ao exército regular, necessariamente. Mas, desarmamento, negociações mediadas sobre os fatos agudos (atentados, sequestros etc.), acertar legalmente todas as situações e promover a integração na vida civil colombiana. O Brasil poderia credenciar-se numa comissão mediadora visando tais finalidades. Participar da mediação é melhor do que, ora assoprar brasas, ora jogar água, ora colocar a cansada culpa nos ombros dos eternos outros.
Swamoro Songhay
Não ficou claro porque a oposição não teria interesse em levantar este tema.
"E a nebulosidade é também útil à oposição, pronta a agitar o espantalho das Farc quando convém, sem precisar dizer o que ela própria faria com o assunto se chegasse ao Planalto."
Alon
1. “Não vai ser fácil. Teria que envolver, entre outras medidas dolorosas, uma anistia ampla e mesmo a integração dos contingentes das Farc ao exército regular.”
2. “Parece-lhe absurdo? Pois a guerrilha já se transformou num meio de vida para dezenas de milhares de pessoas. E isso tem que ser levado em consideração.”
Comentando:
1. Talvez seja impossível. Não existe mínima disposição por parte das Farc de negociar a paz com o governo colombiano simplesmente porque não há interesse nas Farc em abandonar o lucrativo negócio do tráfico de drogas. Hoje as Farc são parte constitutiva do tráfico internacional de cocaína com fortes associações de caráter logístico na Venezuela. Admira-me que pessoas sensatas de esquerda ainda nutram em relação às Farc veleidades românticas. Tudo indica que muito breve veremos ocorrer na Bolívia algo parecido. Até onde sabemos, parte da cocaína destinada ao mercado brasileiro vem da Bolívia. Já o Paraguai, desde que me conheci por adolescente, e isso faz muito tempo, é um antigo fornecedor de maconha.
O que parece estar dando resultado na Colômbia são os decididos combate e repressão do Estado ao narco-tráfico no atacado e a política do governo de atração no varejo, com processos de anistia examinados caso a caso, dos "soldados rasos" do tráfico controlado pelas Farc.
2. Não parece. É um absurdo. Do mesmo modo que é um absurdo o aliciamento de jovens pelos agentes do tráfico de drogas no Brasil. É tão absurdo quanto pensar que seria viável reunir os chefes brasileiros do tráfico para convencê-los (talvez Lula e Amorim ...) a cessar suas atividades em troca da incorporação desses indivíduos no corpo do Estado como militares ou funcionários públicos civis.
Alon Feuerwerker,
Ia comentar o seu post "O Brasil e as Farc” de 21/07/2010 salientando a impossibilidade de, sendo as FARC narcotraficantes, criar as condições para se conceder a ela a anistia política.
Resolvi antes consultar no google e encontrei este post "Como o sr. Chicola pode ajudar" de 07/03/2008 aqui no seu blog. Nele você desenterra uma notícia na Folha Online de 18/12/2000 às 23h13.
E o que me interessou, foi o comentário enviado em 08/03/2008 às 17h24min00s BRT pelo comentarista Mauro que na parte inicial do comentário, parte com a qual concordo diz o seguinte:
"Alon,
um ponto importante que transparece na sua linha de argumentação é o de que a forma mais eficaz de pacificar a Colômbia não seria por meio da derrota militar das Farc, mas sim por sua integração à vida institucional do país. Uma questão imediata que surge é a de saber se isso seria possível sem institucionalizar o narcotráfico..."
Minha concordância com o comentário do Mauro é só em relação a esta parte. Enfim, creio que tanto a participação do atual governo do Brasil como do futuro qualquer que seja ele só teria perspectivas se as FARC fossem só o que o nome dela diz. Não sendo, os governos do Brasil só devem evitar que em nome do combate aos narcotraficantes venham para a América do Sul potências, como eu diria, alienígenas.
Clever Mendes de Oliveira
BH, 21/07/2010
As FARC são formadas por um contingente de 8 mil pessoas entre 40 milhões de colombianos.
Swamoro disse: "desarmamento, negociações mediadas sobre os fatos agudos (atentados, sequestros etc.), acertar legalmente todas as situações e promover a integração na vida civil colombiana. O Brasil poderia credenciar-se numa comissão mediadora visando tais finalidades. " E, principalmente, não usar um conflito de um país vizinho como argumento eleitoral.
Seria importante que o Ministério das Relações Exteriores e o Congresso estimulassem o novo governo colombiano a aceitar a participação de uma comissão mediadora do Unasul, na transição, pela inclusão democrática e legal daqueles que continuam identificados com o movimento. Não há interesse na América do Sul pelo acirramento de conflito internacional que pode desestabilizar a região.
Ivanisa, podem ser estadistas e/ou organismos de fora da América (Norte, Sul, Central e Sul). O que importa é a neutralidade efetiva.
Swamoro Songhay
Postar um comentário
<< Home