O portador da má notícia (14/05)
A visita do presidente brasileiro a Teerã é um gol, mas será preciso esperar o resultado final do jogo. Para ver se Lula puxa Ahmadinejad para cima, ou Ahmadinejad puxa Lula para baixo
Está bem perto a hora da verdade para a diplomacia brasileira na crise do Irã. A estratégia de Luiz Inácio Lula da Silva e do Itamaraty conduziu o Brasil para o centro da turbulência na disputa em torno do programa nuclear iraniano. Agora é hora de pousar o avião.
Nossa chancelaria vem movida por dois vetores principais: reafirmar o papel do Brasil como jogador global não alinhado aos Estados Unidos e consolidar nossa presença naquela região, especialmente no comércio.
O paradoxo da situação já foi apontado aqui. O Brasil opõe-se às sanções propostas pelos americanos para fazer o Irã desistir da bomba, mas Lula só poderá declarar vitória num desfecho que contemple o objetivo estratégico de Washington: a capitulação do Irã, com a renúncia ao projeto bélico nuclear.
É situação complicada para a liderança iraniana. Uma demonstração de fraqueza a esta altura revigoraria a oposição interna. Em caso de rendição, os adversários certamente acusarão Mahmoud Ahmadinejad de ter debilitado o país diante dos inimigos externos. E a luta interna passaria mais rapidamente a outro patamar.
Enquanto simula condescendência com os movimentos diplomáticos brasileiros, a diplomacia americana aperta os parafusos. Após uma década de pressões políticas e ofensivas bélicas, falta a capitulação do Irã para a pax americana vigorar do Paquistão ao Mediterrâneo.
Formalmente restam também a Síria e as facções mais fundamentalistas da Palestina e do Líbano. Mas a eventual neutralização de Teerã teria também o papel de empurrar os sírios à mesa de negociações, até por falta de alternativa militar. Enfraquecendo por tabela o Hamas e o Hezbollah.
Aliás, em nenhum outro momento os Estados Unidos tiveram sobre o movimento nacional palestino a influência que têm hoje. Falta apenas remover o vetor iraniano e controlar a variável síria. Difícil, mas em processo.
Ahmadinejad e Lula entraram, portanto, num jogo complexo. O iraniano foi inábil — ou lunático — ao ponto de colocar seu país à beira do precipício. Onde Lula enxergou uma oportunidade de entrar para estender a mão salvadora, buscando um belo troféu para a galeria.
A visita do presidente brasileiro a Teerã é nesse aspecto um gol, mas será preciso esperar o resultado final do jogo. Para ver se Lula puxa Ahmadinejad para cima, ou Ahmadinejad puxa Lula para baixo. Lula é o portador de uma má notícia para Ahmadinejad, de que talvez o tempo dele tenha se esgotado. Mas a má notícia pode não ser de todo ruim, se a alternativa for perder o pescoço.
Teimosia
Ontem passou mais um aniversário da Lei Áurea. Quase batido, como de costume. A neo-historiografia não gosta da Abolição. Também desdenha da Independência e da República. Tiradentes? Só é homenageado em Minas Gerais.
O Brasil desgosta de suas datas, da sua História. É uma pena. Virá o dia em que um governo realmente preocupado com os símbolos nacionais recolocará as coisas no devido lugar.
Enquanto não vem, continuaremos tentando resistir à sucção pelo vácuo histórico. É como se viéssemos de lugar nenhum. Aliás em nenhum outro lugar é assim. Todo país normal cultiva seus marcos, como referências do passado e signos de orientação para o futuro.
O governo Lula acelerou essa distorção, na ânsia de apresentar-se como o passo fundador da nacionalidade. É artificial, mas incomoda. Como consolo, a certeza de que a deformação do passado não tem como se eternizar.
Os fatos são teimosos.
Indigno
O governo vai dar um bônus imediato e uma pensão mensal aos campeões mundial de futebol de 1958, 1962 e 1970.
E os que não foram campeões em outras copas — e precisam —, não vão receber nada?
Ou seja, se o sujeito ganhou uma Copa pode envelhecer dignamente. Se não ganhou, que se dane.
Se o governo estivesse atrás de resolver o problema dos velhinhos, agiria com generosidade, sem mesquinhez, sem distinguir quem ganhou e quem perdeu nos mundiais.
É um detalhe a modificar quando a coisa for discutida no Congresso.
Não é porque o sujeito perdeu uma Copa que deve ser — como sugere o governo — esquecido, ignorado.
Seria indigno.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (14) no Correio Braziliense.
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Está bem perto a hora da verdade para a diplomacia brasileira na crise do Irã. A estratégia de Luiz Inácio Lula da Silva e do Itamaraty conduziu o Brasil para o centro da turbulência na disputa em torno do programa nuclear iraniano. Agora é hora de pousar o avião.
Nossa chancelaria vem movida por dois vetores principais: reafirmar o papel do Brasil como jogador global não alinhado aos Estados Unidos e consolidar nossa presença naquela região, especialmente no comércio.
O paradoxo da situação já foi apontado aqui. O Brasil opõe-se às sanções propostas pelos americanos para fazer o Irã desistir da bomba, mas Lula só poderá declarar vitória num desfecho que contemple o objetivo estratégico de Washington: a capitulação do Irã, com a renúncia ao projeto bélico nuclear.
É situação complicada para a liderança iraniana. Uma demonstração de fraqueza a esta altura revigoraria a oposição interna. Em caso de rendição, os adversários certamente acusarão Mahmoud Ahmadinejad de ter debilitado o país diante dos inimigos externos. E a luta interna passaria mais rapidamente a outro patamar.
Enquanto simula condescendência com os movimentos diplomáticos brasileiros, a diplomacia americana aperta os parafusos. Após uma década de pressões políticas e ofensivas bélicas, falta a capitulação do Irã para a pax americana vigorar do Paquistão ao Mediterrâneo.
Formalmente restam também a Síria e as facções mais fundamentalistas da Palestina e do Líbano. Mas a eventual neutralização de Teerã teria também o papel de empurrar os sírios à mesa de negociações, até por falta de alternativa militar. Enfraquecendo por tabela o Hamas e o Hezbollah.
Aliás, em nenhum outro momento os Estados Unidos tiveram sobre o movimento nacional palestino a influência que têm hoje. Falta apenas remover o vetor iraniano e controlar a variável síria. Difícil, mas em processo.
Ahmadinejad e Lula entraram, portanto, num jogo complexo. O iraniano foi inábil — ou lunático — ao ponto de colocar seu país à beira do precipício. Onde Lula enxergou uma oportunidade de entrar para estender a mão salvadora, buscando um belo troféu para a galeria.
A visita do presidente brasileiro a Teerã é nesse aspecto um gol, mas será preciso esperar o resultado final do jogo. Para ver se Lula puxa Ahmadinejad para cima, ou Ahmadinejad puxa Lula para baixo. Lula é o portador de uma má notícia para Ahmadinejad, de que talvez o tempo dele tenha se esgotado. Mas a má notícia pode não ser de todo ruim, se a alternativa for perder o pescoço.
Teimosia
Ontem passou mais um aniversário da Lei Áurea. Quase batido, como de costume. A neo-historiografia não gosta da Abolição. Também desdenha da Independência e da República. Tiradentes? Só é homenageado em Minas Gerais.
O Brasil desgosta de suas datas, da sua História. É uma pena. Virá o dia em que um governo realmente preocupado com os símbolos nacionais recolocará as coisas no devido lugar.
Enquanto não vem, continuaremos tentando resistir à sucção pelo vácuo histórico. É como se viéssemos de lugar nenhum. Aliás em nenhum outro lugar é assim. Todo país normal cultiva seus marcos, como referências do passado e signos de orientação para o futuro.
O governo Lula acelerou essa distorção, na ânsia de apresentar-se como o passo fundador da nacionalidade. É artificial, mas incomoda. Como consolo, a certeza de que a deformação do passado não tem como se eternizar.
Os fatos são teimosos.
Indigno
O governo vai dar um bônus imediato e uma pensão mensal aos campeões mundial de futebol de 1958, 1962 e 1970.
E os que não foram campeões em outras copas — e precisam —, não vão receber nada?
Ou seja, se o sujeito ganhou uma Copa pode envelhecer dignamente. Se não ganhou, que se dane.
Se o governo estivesse atrás de resolver o problema dos velhinhos, agiria com generosidade, sem mesquinhez, sem distinguir quem ganhou e quem perdeu nos mundiais.
É um detalhe a modificar quando a coisa for discutida no Congresso.
Não é porque o sujeito perdeu uma Copa que deve ser — como sugere o governo — esquecido, ignorado.
Seria indigno.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (14) no Correio Braziliense.
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8 Comentários:
em Santo Amaro da Purificação, Recôncavo Bahiano, se comemora desde 1888 o Bembé do Mercado, dia 13 de maio. O movimento negro, colonialista e americanoide, sempre falou mal desta festa espontânea no coração da região do mundo que mais recebeu escravos negros, por mais tempo.
Quando os escravos dos latifundios canavieiros, algodoeiros e fumageiros souberam da abolição, largaram o eito e foram samba no mercado até o dia raiar sobre gritos de "Viva a futura Imperatriz Isabel, amiga dos negros!".
Um 3º Império poderia ter sido mais pacificador, e retificador social, do que 30 anos de Lula.
Ponha na sua conta, Alon, dos fatos históricos que o Ensino atual de História despreza (um ensino paulista, militarista, e PTista - eivado de anti-varguismo): o desprezo pelo 2º Império.
Como se Pedro II tivesse governado por 48 anos milagrosamente. Era um nécio. Como se não fosse heróico um menino de 15 anos de idade assumir o maior território do continente, uma ex-colonia endividade e com 5 revoltas separatistas, uma em cada região - e este menino ter colocado a casa em ordem, financeira e politicamente, em questão de década. Para 40 anos depois entregar uma nação cosmopolita e com amplo reconhecimento diplomático, capaz de produzir intelectuais (alguns deles, negros!) como Machado de Assis, Jaquim Nabuco, João da Cruz e Souza, Oswaldo Cruz, Juliano Moreira.
Para o PTucanismo Paulista, Pedro II foi um erro de 50 anos. Eu não conheço nação que erre por tanto tempo, então desconfio que erro não foi...
Ver Lula marcando um gol a favor da "pax americana" não deixa da ter uma graça inesperada.
Agora, se Lula realmente convencer o Irã (e o presidente deles, Aladine...qualquer coisa, ficar realmente convencido) que o melhor é ceder....bem, Lula sai por cima, e o baixinho vesgo sai por baixo.
Caro Alon, esse assunto me interessa especialmente em função da raridade de ver neste país uma iniciativa pública ir além daquilo que constitui pura obrigação (afinal a preguiça é uma das qualidades que mais gostamos de cultivar). Num país onde poucos acreditam estar obrigados a fazer mesmo o dever de casa é surpreendente um caso como esse. Bem verdade que o trabalho voluntário de nossa diplomacia não envolve uma iniciativa muito arriscada – não, Ahmadinejad não tem como arrastar Lula para baixo, caso não haja um avanço significativo entram as sanções, em último caso os canhões, mas como Lula já disse, ele terá a gratificação de poder dizer que não foi omisso. Mais do que isso, em caso de má vontade do Irã em chegar a um acordo (do lado de cá veremos como má vontade deles, certo?) essa servirá como argumento para que as relutantes China e Russia (que possuem veto no Conselho de Segurança da ONU) venham a perfilar a favor das sanções. Veja que Lula não esqueceu Garrincha e foi combinar com os russos: o presidente Medvedev, parece que contagiado pelo otimismo do brasileiro, cedeu 30% de chances de sucesso à nossa iniciativa (que tem a participação da Turquia, ia me esquecendo nesse meu acesso de ufanismo). O embaixador americano no Brasil (creio que a personagem nesse caso é relevante) disse ao Financial Times que o Brasil desafiava a diplomacia de seu país, deixando bem claro que os americanos estão secos para deslancharem as sanções, apenas, creio que numa deferência especial – particularmente incômoda – a’O Cara... né não? Entre muitos outros recados de diversas origens que pululam na imprensa nesses últimos dias. Por fim, uma questão mais séria, não consigo ver os desdobramentos sobre a política interna do Irã, um acordo poderia fortalecer a oposição, como você diz, mas poderia também enfraquecer seus argumentos, pois entre estes estava o isolamento a que Ahmadinejad conduzia o Irã (ou fortalecê-los, caso Ahmadinejad continue recusando um acordo). O que me parece claro porém é que se não houvesse jogo diplomático – e os americanos, como xerifes do ocidente, não teriam como representar esse papel! – a oposição iraniana não teria como fugir à defesa do interesse do país como um todo.
Levando-se em conta que o Brasil foi descoberto em 1808,até que fizemos algum progresso.Apesar, da monarquia avessa ao empreededorismo,Barão de Maúa,é testemunha viva disso.
Parece ,que finalmente, agora...vai!
O jogo que o Lula e a diplomacia brasileira se propôs a jogar é extremamente complexo e perigoso, mas pode dar certo no final.
De um lado os EUA babando para aplicar severas punições ao Irã (fazem o papel do lado mal), do outro lado, o rebelde que não aceita ser conduzido. No meio disso tudo, o herói nacional, Lula.
O acordo pode dar certo pois o Irã está louco pra encontrar uma saída diplomática (sanções comerciais seriam horríveis para um país muito centrado no petróleo), por outro lado, não pode parecer que o Irã capitulou e aceito as condições do "sioninsmo" internacional.
Lula é o cara certo para propor algo que leve a paz e não seja visto pelo Irã como derrota para os americanos.
De quebra, o Lula ainda vai oferecer para que o combustível nuclear utilizado pelo Irã seja enriquecido no Brasil. Seria uma bela maneira de impulsionar a industria nuclear nacional.
Lula é um cara de sorte (e muita competência). Se tudo isso der certo, ele esvazia completamente o discurso da oposição (interna) e fatura esta eleição. Tb não seria nada impossível faturar o Nobel da Paz.
Fortes emoções a vista ...
A lei Áurea tem seu registro histórico, mas é vista com a devida crítica, o que é inerente ao contexto histórico.
Da mesma forma que não tem muito cabimento glamourizar o General Figueiredo pela contribuição na redemocratização, é natural que o orgulho negro seja mais dedicado à um guerreiro rebelde como Zumbi dos Palmares, do que a uma concessão vinda de cima e sem qualquer reparação indenizatória aos libertos. Ainda mais quando o processo de abolição que levou à lei áurea foi extremamente lento e gradual, e o Brasil foi o último país das Américas a abolir, fica difícil comemorar com entusiasmo.
Tiradentes é feriado nacional, por isso acho simplismo dizer que só é homenageado em Minas Gerais.
Paz e bem!
Escrevestes:
"[ . . . ] num desfecho que contemple o objetivo estratégico de Washington: a capitulação do Irã, com a renúncia ao projeto bélico nuclear."
Teerã já
muitas vezes
declarou
que tem objetivos pacíficos,
nãobélicos.
Ou seja,
os EE.UU.A.
na verdade
têm outro objetivo;
quiçá similar
ao que estão fazendo no Iraque
(roubar as riquezas naturais do país).
É como a fábula do lobo e o cordeiro que foi beber água.
Caro Alon,
concordo contigo quando afirma que nós não comemoramos nossas datas históricas.
Eu te pergunto? Isto não estaria relacionado com o mito de fundação da figura brasileira que une o nosso país, que tende a enxergar negativamente as datas comemorativas e o próprio modo brasileiro de ser. Sergio Buarque não seria o grande sistematizador dessa tese de que o brasileiro é emotivo, despido de racionalidade e que nossas revoluções e conquistas não passaram de um mero engôdo?!
Será que a culpa é mesmo do governo?! Não há algo anterior que dá base social para que o nosso estado-nação não se reconheça enquanto tal?
Nós não nos alimentamos da idealização do americano e da banalização do que é brasileiro? Benjamim Franklin tinha aquele "buxo" enorme. No entanto, não vemos nenhum americanos criticá-lo por ser comilão. No Brasil, Dom João VI é apontado como um mero comedor de frango assado. Dom Pedro é sempre apresentado como um tarado sexual. Só acho que essas representações atravessam a cabeça dos brasileiros, não importando se são governo ou não.
O Brasil foi o país que mais cresceu economicamente no século XX. Enquanto isso, sempre nos percebemos como preguiçosos, essencialmente corruptos e incapazes de resolvemos o nosso atraso interminável?!
Acho que culpar o governo significa, apenas, apontar o resultado final de todo um processo.
Será que a coisa não é mais embaixo?
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