Exemplo a seguir (22/04)
É sempre o melhor caminho: em vez de esconder-se, esclarecer. Pacientemente. Democraticamente. Responder a todas as dúvidas. A sabatina de Gilmar Mendes no YouTube é sinal de sanidade da democracia brasileira
O ministro Gilmar Mendes fez um gol, quando dias atrás compareceu ao YouTube para responder a todo tipo de pergunta, incluídas as incômodas. O presidente do Supremo Tribunal Federal veio ao palco virtual sem a blindagem do cargo. Talvez o STF deva incluir sabatinas assim nas obrigações regimentais de seus presidentes. Por que não?
Num país em que o Estado e a função pública infelizmente ainda são tratados como “coisa nossa” — o “nossa” aqui não é referência ao coletivo cidadão —, o STF daria um passo adiante no aperfeiçoamento da cidadania. O tribunal tem avançado bastante, com a transmissão dos julgamentos em rede nacional de televisão e, mais recentemente, ao deixar disponíveis no YouTube os vídeos de sessões e programas da TV Justiça. E pode ir além.
Justiça boa exige, entre outros, dois elementos-chave: ritmo e visibilidade. Ritmo para não dizer velocidade, pois o julgamento justo precisa garantir o direito de defesa do acusado. Na prática, e não apenas formal. Mas sobre a visibilidade não pode haver dúvida, especialmente num tribunal como o STF, a Corte constitucional. Ali, além de decidir, cada juiz deve estar exposto a explicar direitinho por que decidiu. E de um jeito não totalmente hermético.
Mendes e sua assessoria deram também um exemplo aos outros poderes de como enfrentar a situação complicada no relacionamento com a opinião pública. Ao responder a todo tipo de pergunta no YouTube, ele deixou também registradas para a História respostas a seus críticos.
É sempre o melhor caminho: em vez de esconder-se, esclarecer. Pacientemente. Democraticamente. Responder a todas as dúvidas.
Por um motivo simples: nunca a dúvida é exclusiva de quem a expõe, sempre há mais gente — muita gente — com a mesma interrogação. E a autoridade se fortalece à medida que neutraliza argumentos, soluciona pendências, num processo progressivo de esvaziamento da força moral e intelectual dos adversários.
O poder costuma cair na tentação de enxergar-se acima do bem e do mal. Talvez os ministros do Supremo estejam até mais vulneráveis a ilusões assim, pois o mandato só acaba na aposentadoria. E afinal as decisões deles são irrecorríveis. Mas mesmo os de mandato relativamente curto, no Executivo e Legislativo, tendem a agir como se o poder fosse eterno, como se viesse de dádiva e colocasse o detentor acima dos demais cidadãos.
É raro o poderoso ao menos esforçar-se para transmitir a impressão de ser simples funcionário do povo — que é o que é. Uma vez sentado na confortável cadeira e segurando a caneta cheia de tinta, forças poderosíssimas (terríveis, nos termos do então presidente Jânio Quadros) empurram-no para a onipotência, a soberba, a tentação de impor só pela autoridade. Ou empurram para o precipício. Ou para ambas as situações.
Daí que a democracia exija um sistema azeitado de freios e contrapesos. O problema é não haver fórmula pronta e acabada desse sistema. Cada sociedade constrói o seu, a partir da experiência acumulada, das vitórias e fracassos. Mas uma regra é universal. Quanto mais democrático o arcabouço, mais o detentor de poder responde pelos seus atos a outros sujeitos institucionais. Ou ao público em geral.
A sabatina de Gilmar Mendes no YouTube é sinal de sanidade da democracia brasileira.
Dois trens
Almoçava na praça de alimentação do shopping nesta Brasília cinquentenária quando um leitor me abordou:
— Li sua coluna sobre a maneira de identificar pesquisas fajutas. Entendi que o fajutador se revela quando o humor dele piora depois de uma pesquisa boa. Só não entendi por que alguém investe numa pesquisa em que nem ele pode acreditar.
Pesquisas têm pouco ou nenhum efeito sobre o eleitor. Mas ajudam a quebrar a inércia dos políticos recalcitantes. Os que não querem embarcar no trem errado, mas tampouco podem se dar ao luxo de perder o trem certo.
Doendo
A luz que era amarela virou vermelha no painel do Planalto (agora do CCBB) que monitora as votações do Congresso.
O governo tem procurado monopolizar as bondades e terceirizar as maldades para suas excelências os parlamentares. Normal. Mas uma hora a pata chamuscada do gato encarregado de tirar as castanhas do fogo começa a doer.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quinta (22) no Correio Braziliense.
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O ministro Gilmar Mendes fez um gol, quando dias atrás compareceu ao YouTube para responder a todo tipo de pergunta, incluídas as incômodas. O presidente do Supremo Tribunal Federal veio ao palco virtual sem a blindagem do cargo. Talvez o STF deva incluir sabatinas assim nas obrigações regimentais de seus presidentes. Por que não?
Num país em que o Estado e a função pública infelizmente ainda são tratados como “coisa nossa” — o “nossa” aqui não é referência ao coletivo cidadão —, o STF daria um passo adiante no aperfeiçoamento da cidadania. O tribunal tem avançado bastante, com a transmissão dos julgamentos em rede nacional de televisão e, mais recentemente, ao deixar disponíveis no YouTube os vídeos de sessões e programas da TV Justiça. E pode ir além.
Justiça boa exige, entre outros, dois elementos-chave: ritmo e visibilidade. Ritmo para não dizer velocidade, pois o julgamento justo precisa garantir o direito de defesa do acusado. Na prática, e não apenas formal. Mas sobre a visibilidade não pode haver dúvida, especialmente num tribunal como o STF, a Corte constitucional. Ali, além de decidir, cada juiz deve estar exposto a explicar direitinho por que decidiu. E de um jeito não totalmente hermético.
Mendes e sua assessoria deram também um exemplo aos outros poderes de como enfrentar a situação complicada no relacionamento com a opinião pública. Ao responder a todo tipo de pergunta no YouTube, ele deixou também registradas para a História respostas a seus críticos.
É sempre o melhor caminho: em vez de esconder-se, esclarecer. Pacientemente. Democraticamente. Responder a todas as dúvidas.
Por um motivo simples: nunca a dúvida é exclusiva de quem a expõe, sempre há mais gente — muita gente — com a mesma interrogação. E a autoridade se fortalece à medida que neutraliza argumentos, soluciona pendências, num processo progressivo de esvaziamento da força moral e intelectual dos adversários.
O poder costuma cair na tentação de enxergar-se acima do bem e do mal. Talvez os ministros do Supremo estejam até mais vulneráveis a ilusões assim, pois o mandato só acaba na aposentadoria. E afinal as decisões deles são irrecorríveis. Mas mesmo os de mandato relativamente curto, no Executivo e Legislativo, tendem a agir como se o poder fosse eterno, como se viesse de dádiva e colocasse o detentor acima dos demais cidadãos.
É raro o poderoso ao menos esforçar-se para transmitir a impressão de ser simples funcionário do povo — que é o que é. Uma vez sentado na confortável cadeira e segurando a caneta cheia de tinta, forças poderosíssimas (terríveis, nos termos do então presidente Jânio Quadros) empurram-no para a onipotência, a soberba, a tentação de impor só pela autoridade. Ou empurram para o precipício. Ou para ambas as situações.
Daí que a democracia exija um sistema azeitado de freios e contrapesos. O problema é não haver fórmula pronta e acabada desse sistema. Cada sociedade constrói o seu, a partir da experiência acumulada, das vitórias e fracassos. Mas uma regra é universal. Quanto mais democrático o arcabouço, mais o detentor de poder responde pelos seus atos a outros sujeitos institucionais. Ou ao público em geral.
A sabatina de Gilmar Mendes no YouTube é sinal de sanidade da democracia brasileira.
Dois trens
Almoçava na praça de alimentação do shopping nesta Brasília cinquentenária quando um leitor me abordou:
— Li sua coluna sobre a maneira de identificar pesquisas fajutas. Entendi que o fajutador se revela quando o humor dele piora depois de uma pesquisa boa. Só não entendi por que alguém investe numa pesquisa em que nem ele pode acreditar.
Pesquisas têm pouco ou nenhum efeito sobre o eleitor. Mas ajudam a quebrar a inércia dos políticos recalcitantes. Os que não querem embarcar no trem errado, mas tampouco podem se dar ao luxo de perder o trem certo.
Doendo
A luz que era amarela virou vermelha no painel do Planalto (agora do CCBB) que monitora as votações do Congresso.
O governo tem procurado monopolizar as bondades e terceirizar as maldades para suas excelências os parlamentares. Normal. Mas uma hora a pata chamuscada do gato encarregado de tirar as castanhas do fogo começa a doer.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quinta (22) no Correio Braziliense.
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5 Comentários:
E eu achando que a entrevista no youtube apenas deixava claro o narcisismo do Gilmar Mendes.
O que achei bacana foi a 'democracia direta' na entrevista: pessoas perguntando coisas pro GM que a imprensa usualmente não pergunta...
Serio? Qdo vc escreveu sua coluna vc nao sabia que ele já havia removido o video de lá?
Hum...
Quando responder ou deixar de responder, fazer ou deixar de fazer pode no máximo causar uma aposentadoria renumerada...fica bem fácil posar de democrata.
Não tirou, MuitoPeloContrário. Está lá em http://www.youtube.com/watch?v=Yt1tnv5p30I
Suponho que a Imprensa poderia aproveitar a lição e recomeçar a promover entrevistas críticas com os Poderosos, assim como as pessoas comuns conduziram a conversa com ninguém menos que o Presidente do STF.
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