A boa cautela de Lula (08/11)
Se não nos convidaram para o banquete, soa um pouco excessivo que nos intimem a participar de igual para igual na hora de rachar a dolorosa.
É bom que o presidente da República esteja cauteloso nas discussões sobre o papel do Brasil na Conferência do Clima. E é curioso que os críticos do "protagonismo a qualquer custo" sejam agora os primeiros a exigir de Luiz Inácio Lula da Silva que coloque o Brasil na linha de frente das medidas contra o aquecimento global. É a dança da política.
O debate está claro desde o começo. Se o aquecimento global é mesmo um problema grave, e se deve ser enfrentado globalmente, é preciso saber para quem irá a conta. O lógico será repassá-la aos que, até o momento, mais se beneficiaram do progresso humano. Se é mesmo verdade que o mundo não suportaria a globalização dos padrões europeu e americano de consumo, que os americanos e europeus se contenham, para começo de conversa.
Qual é o problema? É que países como a China e o Brasil estão pelo meio do caminho. Não podem ser considerados tecnicamente "subdesenvolvidos", mas ainda têm milhões de pobres para colocar no mercado, alimentar, vestir, educar, divertir. O Brasil não é a Noruega, ou a Suécia, onde tudo está mais ou menos resolvido. Temos um país a construir. Então, ou bem encontra-se um jeito ambientalmente correto de fazê-lo, ou paciência.
Se não nos convidaram para o banquete, soa um pouco excessivo que nos intimem a participar de igual para igual na hora de rachar a dolorosa. Também porque as bolas estão invertidas. Pedem-nos o sacrifício à vista, com a promessa de benefícios no longo prazo. Exigem que renunciemos à expansão da fronteira agrícola, sem a garantia de que o aumento de produtividade será capaz de atender à demanda explosiva por comida numa sociedade em que, finalmente, os pobres começaram a comer direito.
Isso significa que nada temos a ver com o desafio? Ou que não podemos contribuir para resolvê-lo? Negativo. Apenas é preciso cautela. Daí a razoabilidade da posição de Lula e da candidata dele à Presidência, Dilma Rousseff.
Até porque -e infelizmente- as opções a nós propostas são no mínimo nebulosas. A primeira é exatamente congelar a expansão da área plantada, com a premissa de aproveitar melhor a área já desmatada. É um debate bonito de se fazer no carpete e no ar-condicionado, mas enfrenta problemas na vida real. E olhem que Lula deu sorte, ao ver fracassar seu projeto delirante de transformar o etanol em combustível planetário. Tivesse dado certo, a soja e os bois estariam em marcha batida rumo ao norte, e Lula não poderia passar nem na porta do encontro de Copenhague.
Os créditos de carbono, outro ponto da pauta, não parecem ser capazes de dar conta do desafio. É uma conta que não fecha. Europeus e americanos pagam para que preservemos as nossas florestas. Ótimo. Mas ninguém come dinheiro, ou se veste com dinheiro, ou mora em casas de dinheiro. O dinheiro serve para comprar coisas. Que precisam ser produzidas. E que portanto implicam custo ambiental. Com dinheiro na mão, o pobre vai querer consumir. E alguém vai ter que produzir.
É um debate simples? Não. Temos as nossas próprias responsabilidades no assunto? Temos. Mas não implica que precisemos estar na linha de frente a qualquer custo. Os compromissos que vamos assumir precisam estar subordinados, em primeiro lugar, ao nosso projeto de desenvolvimento.
Nosso desafio não é crescer menos, é crescer mais. Os que nos pedem atitudes heroicas no combate ao aquecimento global precisam dizer, também, como fazer isso crescendo aceleradamente e combatendo mais aceleradamente ainda a pobreza. Na prática, não na teoria.
Estranhamento
As declarações pejorativas e mal-educadas de Caetano Veloso sobre Lula deram ao presidente a oportunidade de sacar seu roteiro favorito: o de vítima de preconceito.
Improvável que cole. O modelito agressivo, depreciativo e autossuficiente -que alguns podem ler como arrogante- adotado por sua excelência desde que abandonou o "Lulinha paz e amor" não combina com o papel de vítima, que tantos dividendos políticos já lhe rendeu.
Esse mix de coitadismo e soberba pode, no máximo, gerar algum estranhamento.
No teatro da política, Lula precisa escolher sua máscara na peça. Não dá para querer todas. Ainda que hoje em dia o presidente demonstre alguma dificuldade para entender que o poder dele tem limites.
Demagogia
O discurso da oposição "em defesa dos aposentados" não fica de pé. Por acaso algum dos presidenciáveis tucanos, se eleito, vincularia o reajuste dos benefícios da Previdência à variação do salário mínimo? Óbvio que não.
É apenas um caso agudo de demagogia.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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É bom que o presidente da República esteja cauteloso nas discussões sobre o papel do Brasil na Conferência do Clima. E é curioso que os críticos do "protagonismo a qualquer custo" sejam agora os primeiros a exigir de Luiz Inácio Lula da Silva que coloque o Brasil na linha de frente das medidas contra o aquecimento global. É a dança da política.
O debate está claro desde o começo. Se o aquecimento global é mesmo um problema grave, e se deve ser enfrentado globalmente, é preciso saber para quem irá a conta. O lógico será repassá-la aos que, até o momento, mais se beneficiaram do progresso humano. Se é mesmo verdade que o mundo não suportaria a globalização dos padrões europeu e americano de consumo, que os americanos e europeus se contenham, para começo de conversa.
Qual é o problema? É que países como a China e o Brasil estão pelo meio do caminho. Não podem ser considerados tecnicamente "subdesenvolvidos", mas ainda têm milhões de pobres para colocar no mercado, alimentar, vestir, educar, divertir. O Brasil não é a Noruega, ou a Suécia, onde tudo está mais ou menos resolvido. Temos um país a construir. Então, ou bem encontra-se um jeito ambientalmente correto de fazê-lo, ou paciência.
Se não nos convidaram para o banquete, soa um pouco excessivo que nos intimem a participar de igual para igual na hora de rachar a dolorosa. Também porque as bolas estão invertidas. Pedem-nos o sacrifício à vista, com a promessa de benefícios no longo prazo. Exigem que renunciemos à expansão da fronteira agrícola, sem a garantia de que o aumento de produtividade será capaz de atender à demanda explosiva por comida numa sociedade em que, finalmente, os pobres começaram a comer direito.
Isso significa que nada temos a ver com o desafio? Ou que não podemos contribuir para resolvê-lo? Negativo. Apenas é preciso cautela. Daí a razoabilidade da posição de Lula e da candidata dele à Presidência, Dilma Rousseff.
Até porque -e infelizmente- as opções a nós propostas são no mínimo nebulosas. A primeira é exatamente congelar a expansão da área plantada, com a premissa de aproveitar melhor a área já desmatada. É um debate bonito de se fazer no carpete e no ar-condicionado, mas enfrenta problemas na vida real. E olhem que Lula deu sorte, ao ver fracassar seu projeto delirante de transformar o etanol em combustível planetário. Tivesse dado certo, a soja e os bois estariam em marcha batida rumo ao norte, e Lula não poderia passar nem na porta do encontro de Copenhague.
Os créditos de carbono, outro ponto da pauta, não parecem ser capazes de dar conta do desafio. É uma conta que não fecha. Europeus e americanos pagam para que preservemos as nossas florestas. Ótimo. Mas ninguém come dinheiro, ou se veste com dinheiro, ou mora em casas de dinheiro. O dinheiro serve para comprar coisas. Que precisam ser produzidas. E que portanto implicam custo ambiental. Com dinheiro na mão, o pobre vai querer consumir. E alguém vai ter que produzir.
É um debate simples? Não. Temos as nossas próprias responsabilidades no assunto? Temos. Mas não implica que precisemos estar na linha de frente a qualquer custo. Os compromissos que vamos assumir precisam estar subordinados, em primeiro lugar, ao nosso projeto de desenvolvimento.
Nosso desafio não é crescer menos, é crescer mais. Os que nos pedem atitudes heroicas no combate ao aquecimento global precisam dizer, também, como fazer isso crescendo aceleradamente e combatendo mais aceleradamente ainda a pobreza. Na prática, não na teoria.
Estranhamento
As declarações pejorativas e mal-educadas de Caetano Veloso sobre Lula deram ao presidente a oportunidade de sacar seu roteiro favorito: o de vítima de preconceito.
Improvável que cole. O modelito agressivo, depreciativo e autossuficiente -que alguns podem ler como arrogante- adotado por sua excelência desde que abandonou o "Lulinha paz e amor" não combina com o papel de vítima, que tantos dividendos políticos já lhe rendeu.
Esse mix de coitadismo e soberba pode, no máximo, gerar algum estranhamento.
No teatro da política, Lula precisa escolher sua máscara na peça. Não dá para querer todas. Ainda que hoje em dia o presidente demonstre alguma dificuldade para entender que o poder dele tem limites.
Demagogia
O discurso da oposição "em defesa dos aposentados" não fica de pé. Por acaso algum dos presidenciáveis tucanos, se eleito, vincularia o reajuste dos benefícios da Previdência à variação do salário mínimo? Óbvio que não.
É apenas um caso agudo de demagogia.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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7 Comentários:
Caro Alon,
Pois é justamente a necessidade que temos de garantir que nossos pobres enfim consumam (comam, divirtam-se, viagem, comprem) que é fundamental o Brasil se apresentar como protagonista neste evento. Já fizemos vários treinamentos de gente grande, alguns meio estúpidos é verdade, mas foram excelentes treinamentos, agora é a hora de efetivamente ser gente grande.
Abraços e sucesso,
Nelson
Alon, não creio que nosso desafio seja simplesmente crescer mais. A colocação, no meu entender, deveria ser crescer melhor. O aumento "a qualquer custo" do pib é anacrônico. O país tem que seguir numa linha de redução de desigualdades, que não significa necessariamente baseá-la em crescimento econômico desenfreado, atropelando qualquer coisa que o "atrapalhe" como a atenção às nossas sérias obrigações ambientais.
Sim, temos obrigações com nós mesmos, independentemente do que possam sugerir os chamados desenvolvidos. Concordo que o consumo exagerado da Europa e EEUU são a grande fonte de muito do que assistimos. Entretanto, culpá-los pelo que aconteceu desde a Revolução Industrial é bonitinho como retórica, mas não vale grande coisa para quem conhece a História com H. Não participamos (e pouco usufruimos) da dita Revolução Industrial à época, no entanto arrasamos meio país em 3 séculos.
Continuaremos nesse passo sob o pretexto de sermos "considerados" celeiro do mundo? Quem pagará essa conta?
abs
Há uns quinze dias atrás estive num congresso internacional de arquitetura da paisagem que realizou no Rio de Janeiro e pude assistir a exposição de uma engenheira do Ministério do Meio Ambiente que esclareceu bastante sobre a posição que o Brasil vai levar a Copenhangue. Ela começou mostrando que existe consenso sobre o aquecimento global provocado pelas emissões de gases carbonoequivalentes (existe uma diversidade de substâncias além do carbono), mas, se existe a certeza científica do aquecimento, já não se pode dizer o mesmo dos efeitos desse aquecimento. Não se sabe exatamente o que vai acontecer, – por incrível que possa parecer em algum lugar a situação pode até melhorar climaticamente, ninguém sabe exatamente. Voltanto as metas, o caso é que se pensa num máximo de aumento de temperatura média ao longo do tempo em cerca de + 2° centígrados até 2100, desse modo, globalmente por regressão poderemos supor que até 2050 não será permitido que as emissões antropogênicas (lembrar que a própria natureza, vulcões, etc podem também provocar emissões) de gases carbonoequivalentes superem a marca de 480 ppm (partes por milhão) na atmosfera. Pois, então vamos ao Brasil que relacionado globalmente nas condições mencionadas acima tem ainda um bom espaço para emissões, e assim também por parte dos países em desenvolvimento, o que é bem diferente para o caso dos países já desenvolvidos. Mais epecificamente no caso do Brasil é possível dizer que estamos bem confortáveis, nossa matriz energética é de baixo carbono, - em relação à da Inglaterra, por exemplo, que queima o próprio carvão se quiser sobreviver no inverno, e essa é mais ou menos a realidade de todos os países de clima temperado (que são por coincidência aqueles desenvolvidos) – suas matrizes são de alto carbono, daí, que eles têm que trabalhar muito para viver lá, (ou mudar para cá), é uma escolha de cada povo. Outra coisa importante, para gente diminuir nossas emissões, na verdade é bem fácil, basta fiscalizar e eliminar queimadas, que ainda é a nossa maior fonte. Que tal? Sem meias palavras o Brasil é o país do século XXI e tá acabado, chegou a nossa vez, o gigante adormecido, acordou e deve dar o exemplo ao mundo, sem que isso seja chauvinismo, são condições histórico-materialistas. Mas, peraí, ninguém é bobinho, sem fiscalização de metas babau, rapídinho a gente se perde no meio dessa fumaça carbonizada do clima…
Ismar Curi
Bela análise meu caro.
Pena que nem todos os "ecologistas da última hora" vão compreendê-la.
Sabe como vai se resolver esta equação ? , quando Holanda, New York , Los Angeles ,Londres , Rio de Janeiro estiverem inreversivelmente embaixo dágua e furacões que superem qualquer escala estiverem devastando o planeta. Veja a crise economica ,foi um tisuname no seio da economia de "mercado ou neo liberal" e mesmo assim nada mudou, o lucro sempre fala mais alto sem dar um grito. Como sempre na historia da humanidade , grandes mundanças só acontecem com muitos sacrificios ,nos temos ainda um longo caminho para a maturidade .
A questão, Paulo, não é crescer o PIB A QUALQUER CUSTO. É, como coloca acertamente o Alon, produzir comida e outros bens de consumo em quantidade suficiente ao menos pra atender às necessidades de cada brasileiro, pois todos têm direito a desfrutar do que eu e você já temos. Inclusive tempo pra ler o Alon e outros pensadores e comentar. Hoje o governador de São Paulo promulgou lei prevendo reduzir em 20% a contribuinção do estado pro efeito estufa. Pura demagogia: vai proibir as fábricas de funcionar, os milhões de veículos de circular. A única contribuição efetiva possível é o fim das queimadas nos canaviais. Mas isso já vem sendo incentivado, com financiamento de maquinário, desde antes do início do governo LULA. È só discurso pra aparecer na mídia. E isso é melhor não levar pra copenhague. Lá a coisa é séria, não tem politicalha, não. É o futuro da humanidade em questão e não a eleição do ano que vem. O Alon tá certíssimo. Parabéns.
Alon Feuerwerker,
Muitos pontos para você neste tópico do estranhamento, embora eu não tenha visto muito de soberba nas manifestações de Lula. Talvez seja o novo modelo de José Serra, mais comedido, um tanto longe daquela arrogância pretenciosa da sapiência autoritária da soberbia tão própria do tucanato é que, de certo modo, na comparação com Lula, tenha-lhe dado a impressão da soberba do presidente.
Clever Mendes de Oliveira
BH, 11/11/2009
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