A “Suíça” da esquerda (29/11)
O Uruguai é um país pequeno, e talvez por isso as coisas dali não repercutam tanto aqui. Pena. Lembro bem como o Uruguai era motivo de admiração nossa na passagem dos anos 70 para os 80, por ter uma esquerda que combinava o pluralismo, a clareza dos princípios democráticos e a unidade de ação, na Frente Ampla (FA). O partido-frente permanece até agora e hoje deve eleger o novo presidente, José Mujica, um ex-guerrilheiro tupamaro de 74 anos.
Quando se preparava para disputar a indicação dentro da FA, Mujica fez um gesto bacana: deixou o comando político da facção ex-tupamara para apresentar-se como candidato de todos os frenteamplistas. E teve sucesso. Derrotou internamente Danilo Astori, o preferido do popularíssimo presidente Tabaré Vázquez. E Astori virou vice de Mujica, evitando assim que uma cisão pudesse ameaçar seriamente a continuidade do projeto. Agora, praticamente certo da vitória, Mujica fala em abrir o governo à oposição.
O primeiro líder da FA foi Líber Seregni. Curiosamente, era um general. Um velho amigo e companheiro de lutas da juventude, Pablo Magnoni, de origem uruguaia, costumava contar a piada favorita da direita na derrotada campanha eleitoral de Seregni em 1971. Com bem menos canais de comunicação do que os partidos tradicionais -o Colorado e o Nacional (Blanco)-, a FA ocupou os troncos das árvores de Montevidéu com seus banners. E virou alvo da gozação dos adversários: “Seregni, idiota, los árboles no votan.”
Nem Seregni era tão idiota assim, nem o quixotismo da FA foi inútil. E imagino que o Pablo, a quem não vejo faz tempo, deve estar contente com a nova face do seu Uruguai. É sem dúvida uma cara boa. Esquerda e direita participam do jogo político, alternando-se no poder, sem que uma aponte a possível eleição da outra como o advento do apocalipse. Melhor: cada facção opera com naturalidade -ainda que com disputa feroz- a sucessão dos líderes. São todos sinais de sanidade democrática.
Antes de mergulhar nas trevas, em meados dos 70, o Uruguai era conhecido como a “Suíça sul-americana”. A expressão ficou meio desmoralizada quando os cisplatinos foram arrastados pela onda ditatorial, mas é sintomático que após a redemocratização os elementos civilizatórios da tradição política uruguaia tenham reaparecido com força. Um belo exemplo de como certos vetores de continuidade prevalecem, mesmo nas rupturas mais radicais.
O Uruguai é, como a maioria do continente, um país de colonização espanhola e economia baseada na grande propriedade rural. Por alguma razão, porém, vem escapando do destino caudilhesco que seria “natural”. E a esquerda uruguaia é simultaneamente agente e beneficiária dessa originalidade. Sorte dela. Ou competência.
Tora! Tora! Tora!
O Itamaraty enfiou o presidente da República numa gelada em Honduras, e agora tem a obrigação de dizer qual é a porta de saída. Honduras é um país independente e precisa de um governo. O Brasil reconhecerá Manuel Zelaya como presidente mesmo após o final do mandato dele na data prevista pela Constituição? Ou vai enfiar a viola no saco e aceitar o presidente escolhido numa eleição condenada pelo governo brasileiro? Ou vai decidir unilateralmente que Honduras é um país sem presidente?
O Itamaraty também meteu o chefe do governo numa fria ao não insistir com ele num ponto importante das relações entre o Brasil e o Irã: quando Mahmoud Ahmadinejad veio para cá, teria sido desejável que o Brasil manifestasse ao líder persa, claramente, o apoio às iniciativas conjuntas da China, da Rússia e dos Estados Unidos para colocar um ponto final no impasse sobre o programa nuclear iraniano.
É razoável que o Irã controle o uso pacífico da tecnologia nuclear. É também razoável que o mundo receba garantias de que o “pacífico” é para valer. Daí a solidez da unidade de russos, chineses e americanos. Um Irã com armas nucleares seria potencialmente desestabilizador das relações na fortemente islâmica Ásia Central. Basta olhar para as repúblicas ex-soviéticas e para a tensão permanente nas minorias muçulmanas da órbita de Pequim.
Em consequência da nossa orientação diplomática, o Brasil conseguiu ficar encalacrado numa posição oposta à da aliança Washington-Moscou-Pequim. O fato é vendido como prova de “independência”. O último que teve a luminosa ideia de trilhar um caminho assim foi o Japão em 1941. Mas nós temos mais sorte: ao contrário do país em que reinava então o imperador Hirohito, não somos ameaça militar a ninguém.
Coluna (Nas entrelinhas) pubicada hoje no Correio Braziliense.
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