Mau humor não dará as cartas (16/10)
O ambiente no país é otimista. E mau humor não combina com otimismo. O eleitor não sairá de casa no dia da eleição querendo comer o fígado de ninguém.
Uma característica desta sucessão presidencial é que ela vai ser disputada por gente assertiva e objetiva, ainda que cada um a seu modo. Uns menos suaves, outros mais. É a chance de uma campanha eleitoral razoavelmente “técnica”, o que seria uma bênção. Talvez nos aproximássemos de um cenário “americano”, com o carisma, a empatia e a simpatia servindo mais ao debate programático do que o inverso.
Qual será o foco da discussão? Se depender do que alardeia o governo, o país estará mobilizado para “evitar a volta da turma do Fernando Henrique”. Já a oposição procurará convencer-nos do quanto seria inconveniente “dar mais quatro anos ao PT”. Haverá certamente arranca-tocos relativos à “ética”. Mas todos sabem que não poderá ser só isso.
Agitar espectros não garante eleição, até porque os nomes do PSDB colocados têm garrafas para entregar em suas administrações. E o PT faz um governo com altas taxas de aprovação — e Dilma Rousseff é a ministra mais importante desse governo. E Marina Silva é uma candidata respeitável e consistente.
Teremos escaramuças. Mas, no fritar dos ovos, os concorrentes precisarão apresentar uma visão de futuro, com propostas inteligíveis em pelo menos alguns pontos estratégicos: educação, saúde, segurança e, principalmente, desenvolvimento. Não se trata de ficar debatendo tecnicalidades, mas de convencer o eleitor sobre a capacidade de o candidato ou candidata liderarem o país rumo à remoção das correntes que ainda nos amarram ao subdesenvolvimento.
Quem é o melhor para acabar definitivamente com o tratamento desumano dos pacientes que procuram atendimento médico? Quem é o melhor para fazer as nossas crianças saírem da escola sabendo ler, escrever e fazer contas? Quem é o melhor para reduzir os índices de criminalidade e proteger os cidadãos contra os bandidos? E quem é o melhor para conduzir a economia gerando ao mesmo tempo empregos e equilíbrio ambiental?
No fim das contas, o eleitor prestará atenção aí. Assim como elegeu Luiz Inácio Lula da Silva quando concluiu que a principal coisa a fazer era combater a pobreza e a desigualdade. E cada um dos candidatos terá trunfos. Todos têm currículos respeitáveis. Que a turma da campanha negativa tire o cavalinho da chuva: não será com ataques que vão derrubar Dilma, José Serra ou Aécio Neves e Marina Silva. Quem tentar vai desperdiçar energia, dinheiro e tempo de rádio e televisão. Talvez sirva para tirar o adversário do eixo, o que já é alguma coisa. Mas só.
Até porque o ambiente no país é de otimismo. E deverá continuar assim no ano que vem. E mau humor não combina com otimismo. O eleitor não sairá de casa no dia da eleição querendo comer o fígado de ninguém. Será um belo desafio para os candidatos e seus marqueteiros: como fazer uma campanha combativa, que enfraqueça o adversário, sem entretanto bater de frente com o espírito do tempo, com o sentimento geral.
Sinal dos tempos
Como previsto na própria coluna de ontem, as reações à opinião aqui exposta sobre a pesquisa da CNA evocaram o Censo Agropecuário, segundo o qual a agricultura familiar é produtiva. Mas o que está em debate não é a agricultura familiar tomada genericamente. São os assentamentos da reforma agrária do Incra.
Qualquer um que conhece esses empreendimentos sabe que há entre eles muitos bolsões de pobreza rural, em que as populações não conseguem tirar da terra o suficiente para sustentar-se. Dependem dos programas sociais do governo. É ou não um problema a tratar?
Se estivesse na oposição, o PT diria que os números da pesquisa da CNA mostram a necessidade de mais investimento nos assentamentos, de maior apoio ao pequeno produtor rural contemplado com sua terra pelo Incra. Como o PT está no governo, prefere dizer que a pesquisa não reflete a realidade.
E os assentados? Eles que se virem, enquanto os burocratas e apaniguados empilham estatísticas para garantir seus contracheques.
Multidão
É forçoso constatar que a classificação da seleção de Honduras para a Copa do Mundo provocou bem mais comoção e mobilização naquele país da América Central do que, em qualquer momento, a pendenga entre o presidente constitucional deposto, Manuel Zelaya, e Roberto Micheletti, que ocupa a cadeira desde o golpe de estado.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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Uma característica desta sucessão presidencial é que ela vai ser disputada por gente assertiva e objetiva, ainda que cada um a seu modo. Uns menos suaves, outros mais. É a chance de uma campanha eleitoral razoavelmente “técnica”, o que seria uma bênção. Talvez nos aproximássemos de um cenário “americano”, com o carisma, a empatia e a simpatia servindo mais ao debate programático do que o inverso.
Qual será o foco da discussão? Se depender do que alardeia o governo, o país estará mobilizado para “evitar a volta da turma do Fernando Henrique”. Já a oposição procurará convencer-nos do quanto seria inconveniente “dar mais quatro anos ao PT”. Haverá certamente arranca-tocos relativos à “ética”. Mas todos sabem que não poderá ser só isso.
Agitar espectros não garante eleição, até porque os nomes do PSDB colocados têm garrafas para entregar em suas administrações. E o PT faz um governo com altas taxas de aprovação — e Dilma Rousseff é a ministra mais importante desse governo. E Marina Silva é uma candidata respeitável e consistente.
Teremos escaramuças. Mas, no fritar dos ovos, os concorrentes precisarão apresentar uma visão de futuro, com propostas inteligíveis em pelo menos alguns pontos estratégicos: educação, saúde, segurança e, principalmente, desenvolvimento. Não se trata de ficar debatendo tecnicalidades, mas de convencer o eleitor sobre a capacidade de o candidato ou candidata liderarem o país rumo à remoção das correntes que ainda nos amarram ao subdesenvolvimento.
Quem é o melhor para acabar definitivamente com o tratamento desumano dos pacientes que procuram atendimento médico? Quem é o melhor para fazer as nossas crianças saírem da escola sabendo ler, escrever e fazer contas? Quem é o melhor para reduzir os índices de criminalidade e proteger os cidadãos contra os bandidos? E quem é o melhor para conduzir a economia gerando ao mesmo tempo empregos e equilíbrio ambiental?
No fim das contas, o eleitor prestará atenção aí. Assim como elegeu Luiz Inácio Lula da Silva quando concluiu que a principal coisa a fazer era combater a pobreza e a desigualdade. E cada um dos candidatos terá trunfos. Todos têm currículos respeitáveis. Que a turma da campanha negativa tire o cavalinho da chuva: não será com ataques que vão derrubar Dilma, José Serra ou Aécio Neves e Marina Silva. Quem tentar vai desperdiçar energia, dinheiro e tempo de rádio e televisão. Talvez sirva para tirar o adversário do eixo, o que já é alguma coisa. Mas só.
Até porque o ambiente no país é de otimismo. E deverá continuar assim no ano que vem. E mau humor não combina com otimismo. O eleitor não sairá de casa no dia da eleição querendo comer o fígado de ninguém. Será um belo desafio para os candidatos e seus marqueteiros: como fazer uma campanha combativa, que enfraqueça o adversário, sem entretanto bater de frente com o espírito do tempo, com o sentimento geral.
Sinal dos tempos
Como previsto na própria coluna de ontem, as reações à opinião aqui exposta sobre a pesquisa da CNA evocaram o Censo Agropecuário, segundo o qual a agricultura familiar é produtiva. Mas o que está em debate não é a agricultura familiar tomada genericamente. São os assentamentos da reforma agrária do Incra.
Qualquer um que conhece esses empreendimentos sabe que há entre eles muitos bolsões de pobreza rural, em que as populações não conseguem tirar da terra o suficiente para sustentar-se. Dependem dos programas sociais do governo. É ou não um problema a tratar?
Se estivesse na oposição, o PT diria que os números da pesquisa da CNA mostram a necessidade de mais investimento nos assentamentos, de maior apoio ao pequeno produtor rural contemplado com sua terra pelo Incra. Como o PT está no governo, prefere dizer que a pesquisa não reflete a realidade.
E os assentados? Eles que se virem, enquanto os burocratas e apaniguados empilham estatísticas para garantir seus contracheques.
Multidão
É forçoso constatar que a classificação da seleção de Honduras para a Copa do Mundo provocou bem mais comoção e mobilização naquele país da América Central do que, em qualquer momento, a pendenga entre o presidente constitucional deposto, Manuel Zelaya, e Roberto Micheletti, que ocupa a cadeira desde o golpe de estado.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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6 Comentários:
nâo ha como brigar com os fatos.
Comparar os dois governos é indispensável. A forma de governar de um e outro não mudou ou vai mudar, cabe escolher-mos qual é o melhor modelo. Fico com Dilma.
muito bem, marcelo.
Concordo co o Alon, não há espaço para mal humor. E essa estória de eleição plebicitária é coisa meio mal humorada, tipo petralhas contra tucanalhas... Sério, ainda espero um fato realmente novo, acho que o eleitor está aberto para experiências novas... é puro achismo mesmo.
Sr. Alon, o senhor é um otimista inveterado. Como não haverá mau humor em campanha que façam parte Dilma e Ciro!?
A única coisa garantida nessa campanha é o risco que correrão os repórteres mais "insistentes".
Alon, me ajude.
Não conheço essa expressão que vc usou.
"têm garrafas para entregar em suas administrações. "
Qual é o sentido, e se possível a origem.
"ter garrafas para entregar" é ter realizações para mostrar.
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