O líder da mudança acaba reduzido ao papel de administrar avanços apenas incrementais, marginais. Conforme o tempo passa, a angústia cresce, pois afinal é preciso “fazer algo”, “deixar uma marca”, enquanto a realidade impõe administrar a inérciaBarack Obama corre o risco de atolar já na largada, no mesmo pântano que travou Bill Clinton: a reforma da Saúde. Obama trabalha para cumprir o programa eleitoral e universalizar o sistema, mas a classe média não quer pagar a conta. Habilmente, os republicanos desengavetaram o sempre à mão fantasma do “socialismo” e Obama parece emparedado. Veremos como ele reage.
Antes de seguir, registro um fato: se aqui o sujeito fica doente e não tem dinheiro suficiente para o tratamento adequado, ele deve agradecer a Deus por estar no Brasil, e não nos Estados Unidos. Adoeça sem dinheiro ali para ver o que é bom para a tosse. Literalmente.
Mas Obama está longe de entregar os pontos e tem procurado mesmo reagir. O The New York Times de sexta-feira traz o esforço do obamismo para mobilizar, agora na reforma da Saúde, os milhões de apoiadores que deram duro para eleger o primeiro negro à Casa Branca. Segundo a reportagem, o resultado é, por enquanto, apenas parcial.
Uma coisa foi tirar as pessoas de casa lá atrás para algo apaixonante e abstrato, a ideia de que, “sim, nós podemos”. Outra bem diferente, muito mais trabalhosa, é entusiasmar agora por assuntos naturalmente áridos. Pedregosos, como são os temas das políticas públicas.
A vida real manda lembranças. Eis um problema habitualmente enfrentado pelos governantes que chegam lá impulsionados por plataformas mudancistas. Quando a eleição acaba, boa parte da energia transformadora se dissipa, enquanto o peso da inércia continua firme. E o líder encontra pela frente estruturas construídas precisamente para resistir.
Da guerra de movimento, o príncipe passa à guerra de posição. Para Obama, ela é até um pouco mais complicada de travar, dado que os partidos americanos são visceralmente eleitorais. Não há propriamente uma militância. A rigor, aqui tampouco. Faz tempo. A não ser para as câmeras.
Lá e cá, como nas demais formações desenvolvidas, democráticas, de sociedade civil complexa, é como se o impulso entrópico, caótico, característico da nossa época, teoricamente progressista, operasse o paradoxo de debilitar o vetor da transformação, dando uma vantagem decisiva à inércia.
Para que tudo continue como está, basta não fazer nada e deixar rolar o Woodstock. Já quem deseja mudar, este precisará reunir a imensa energia social indispensável, num cenário superfragmentado e vocacionado para divergir. Nunca para convergir.
Missão de sísifo. Falei disso dias atrás, quando desenhei o universo das organizações ambientalistas como uma federação de vetos. Não à toa o Partido Verde está em busca de sua refundação.
Assim, se bobear, o líder da mudança acaba reduzido ao papel de administrar avanços apenas incrementais, marginais. Conforme o tempo passa, a angústia cresce, pois afinal é preciso “fazer algo”, “deixar uma marca”, enquanto a realidade impõe administrar a inércia, para não ser completamente paralisado por ela. E isso tem um custo. Ainda que não perceba, o meio transforma você enquanto você peleja duramente para deixar sua marquinha nele.
Eu vi pedaços do discurso de Luiz Inácio Lula da Silva esta semana em Goiás e fiquei com duas impressões. O entusiasmo popular não estava uma Brastemp e o presidente anda mesmo ocupado demais em escrever sua biografia antes de terminar o mandato. Vai ver que é o fantasma da inércia.
Faca paulistaTempos atrás, o PT ensaiava ameaçar o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), com uma candidatura própria no estado caso os socialistas não apoiassem Dilma Rousseff. Agora, depois de os principais nomes do petismo estarem bem ajeitados no governo local, e com Campos bem nas pesquisas, fica um pouco mais arriscado para o PT executar a ameaça.
Melhor para Ciro Gomes, que, aliás, surpreendeu em entrevista outro dia ao dizer que o tucano José Serra é um “grande governador”. Como alguém pode ser candidato do PT em São Paulo depois de dizer isso?
Não é por acaso que Marta Suplicy já está afiando a faca.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.twitter.com/AlonFeuerwerker
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