Estamos no mesmo barco, senador (19/07)
O fiscal do jornalista e o do político são a mesma pessoa. Só o papel muda, conforme o político que está no alvo, amigo ou inimigo do tal fiscal. É como no antigo teatro grego, só muda a máscara do ator
O presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque (PMDB-RJ), é mais um a relativizar o peso da “opinião pública”. Coloco entre aspas só para manter aberto um conceito que, ao significar muitas coisas diferentes, não explica exatamente o que é. Quando políticos dizem estar “se lixando” para a opinião pública, é óbvio que eles não usam a expressão como sinônimo, por exemplo, de “eleitorado”. Você não vê o sujeito que depende de voto sair por aí alardeando que se lixa para o eleitor. Seria suicídio.
Então, quando o presidente do Conselho de Ética fala, a coisa precisa ser compreendida na dimensão certa. Eu entendi que o senador não está nem aí para aquele pedaço da população cujas ideias supostamente flutuam ao sabor do que é veiculado em jornais, revistas, rádios e tevês, ou então, em canais da internet controlados pelas empresas de comunicação. Até porque, segundo Duque, é cada vez mais relativa a influência dos meios tradicionais da imprensa na assim chamada “formação de opinião”. Eis aí um fato.
Deduz-se então que os agentes públicos estariam à beira de ingressar numa nova realidade, mais confortável. Por causa da revolução introduzida com a tecnologia digital e as redes, as instituições poderiam agora fazer a própria comunicação, e ela seria suficiente. Quem tiver a curiosidade de saber o que vai pelo Senado deverá buscar no senado.gov.br. Valerá também para o camara.gov.br, ou para o planalto.gov.br. Ou então, sei lá, para o cocacola.com.br. Além da onipresente comunicação institucional, sobraria um universo pulverizado de blogueiros, ativistas e curiosos digladiando-se nos orkuts, twitters e blogs.
Será que o futuro vai ser mesmo assim? Aposto que não. Do lado da oferta, sempre haverá a necessidade de que alguém, com foco profissional e independência diante da fonte, vá atrás do fato em estado bruto, transforme em notícia ou análise, empacote e distribua. Porque sempre haverá demanda por algo com tais características. É insensato imaginar que uma sociedade aberta, mergulhada em informação e completamente interconectada, irá satisfazer-se com notícias produzidas por fontes oficiais. Por mais competentes que sejam. E, aliás, têm sido.
É provável que o jornalismo do futuro pareça-se com o atual, diferenciando-se nos mecanismos de distribuição e — importante — nas crescentes e instantâneas possibilidades de crítica e controle social. É algo a que os jornalistas — seres tendentes à autossuficiência — devemos nos habituar. Morreu o jornalismo acostumado apenas a dizer, sem conseguir ouvir. São milhares, milhões de pedras atiradas no lago em intervalos curtíssimos, ou mesmo simultaneamente, apenas para usar a imagem da teoria célebre. O reinado da meia dúzia de “formadores de opinião” não existe mais. Se é que existiu um dia.
Assim como está morta a política que se acha dispensada de dar satisfações à sociedade. Eu tenho aqui uma péssima (ou ótima, conforme o ângulo) notícia para o senador Paulo Duque. Pau que dá em Chico dá também em Francisco. O fiscal do jornalista e o do político são a mesma pessoa. Só o papel muda, conforme o político que está no alvo, amigo ou inimigo do tal fiscal. É como no antigo teatro grego, só muda a máscara do ator.
No mundo que vem aí, jornalistas e políticos deveremos habituar-nos à duríssima fiscalização do público. Como nos bons call-centers, ela será 24x7x365.
Se eu escrever uma bobagem, o leitor não precisará esperar na fila pela publicação de uma cartinha, nem implorar por uma rápida e protocolar conversa telefônica. Ele poderá me detonar em tempo real na rede. A mesma coisa com os políticos. O eleitor não precisará esperar pela distante eleição para se vingar.
Bem vindo ao admirável mundo novo, senador.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
twitter.com/AlonFeuerwerker
youtube.com/blogdoalon
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O presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque (PMDB-RJ), é mais um a relativizar o peso da “opinião pública”. Coloco entre aspas só para manter aberto um conceito que, ao significar muitas coisas diferentes, não explica exatamente o que é. Quando políticos dizem estar “se lixando” para a opinião pública, é óbvio que eles não usam a expressão como sinônimo, por exemplo, de “eleitorado”. Você não vê o sujeito que depende de voto sair por aí alardeando que se lixa para o eleitor. Seria suicídio.
Então, quando o presidente do Conselho de Ética fala, a coisa precisa ser compreendida na dimensão certa. Eu entendi que o senador não está nem aí para aquele pedaço da população cujas ideias supostamente flutuam ao sabor do que é veiculado em jornais, revistas, rádios e tevês, ou então, em canais da internet controlados pelas empresas de comunicação. Até porque, segundo Duque, é cada vez mais relativa a influência dos meios tradicionais da imprensa na assim chamada “formação de opinião”. Eis aí um fato.
Deduz-se então que os agentes públicos estariam à beira de ingressar numa nova realidade, mais confortável. Por causa da revolução introduzida com a tecnologia digital e as redes, as instituições poderiam agora fazer a própria comunicação, e ela seria suficiente. Quem tiver a curiosidade de saber o que vai pelo Senado deverá buscar no senado.gov.br. Valerá também para o camara.gov.br, ou para o planalto.gov.br. Ou então, sei lá, para o cocacola.com.br. Além da onipresente comunicação institucional, sobraria um universo pulverizado de blogueiros, ativistas e curiosos digladiando-se nos orkuts, twitters e blogs.
Será que o futuro vai ser mesmo assim? Aposto que não. Do lado da oferta, sempre haverá a necessidade de que alguém, com foco profissional e independência diante da fonte, vá atrás do fato em estado bruto, transforme em notícia ou análise, empacote e distribua. Porque sempre haverá demanda por algo com tais características. É insensato imaginar que uma sociedade aberta, mergulhada em informação e completamente interconectada, irá satisfazer-se com notícias produzidas por fontes oficiais. Por mais competentes que sejam. E, aliás, têm sido.
É provável que o jornalismo do futuro pareça-se com o atual, diferenciando-se nos mecanismos de distribuição e — importante — nas crescentes e instantâneas possibilidades de crítica e controle social. É algo a que os jornalistas — seres tendentes à autossuficiência — devemos nos habituar. Morreu o jornalismo acostumado apenas a dizer, sem conseguir ouvir. São milhares, milhões de pedras atiradas no lago em intervalos curtíssimos, ou mesmo simultaneamente, apenas para usar a imagem da teoria célebre. O reinado da meia dúzia de “formadores de opinião” não existe mais. Se é que existiu um dia.
Assim como está morta a política que se acha dispensada de dar satisfações à sociedade. Eu tenho aqui uma péssima (ou ótima, conforme o ângulo) notícia para o senador Paulo Duque. Pau que dá em Chico dá também em Francisco. O fiscal do jornalista e o do político são a mesma pessoa. Só o papel muda, conforme o político que está no alvo, amigo ou inimigo do tal fiscal. É como no antigo teatro grego, só muda a máscara do ator.
No mundo que vem aí, jornalistas e políticos deveremos habituar-nos à duríssima fiscalização do público. Como nos bons call-centers, ela será 24x7x365.
Se eu escrever uma bobagem, o leitor não precisará esperar na fila pela publicação de uma cartinha, nem implorar por uma rápida e protocolar conversa telefônica. Ele poderá me detonar em tempo real na rede. A mesma coisa com os políticos. O eleitor não precisará esperar pela distante eleição para se vingar.
Bem vindo ao admirável mundo novo, senador.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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7 Comentários:
"Se eu escrever uma bobagem, o leitor não precisará esperar na fila pela publicação de uma cartinha, nem implorar por uma rápida e protocolar conversa telefônica. Ele poderá me detonar em tempo real na rede. A mesma coisa com os políticos. O eleitor não precisará esperar pela distante eleição para se vingar."
Impecável o seu último parágrafo, encara a realidade atual com bastante tranquilidade. Sim, porque não são poucos os jornalistas e políticos que ainda não se habituaram a esse fato.
Políticos depois de eleitos tentam manter uma distância preventiva do eleitorado, de forma que não escute o que ele tem a dizer, e jornalistas ainda carregam consigo o velho rótulo de formador opinião o que talvez o coloque acima dos simples mortais. Sob esse prisma ele teria o direito até de dizer um dia, se desdizer no dia seguinte e não deveria poderia ao menos ser questionado. Se isso ocorre o erro é do leitor, esse sujeito, no mínimo, mal educado...
Políticos e jornalistas deveriam se dar conta que trabalham para um 'público', e não podem, portanto, ficar alheios às impressões e ao discernimento do eleitor e/ou leitor, ou vão se afastar da realidade também.
Na verdade, creio que a estupidez nem sempre está no erro, mas com certeza a estupidez está na arrogância.
única análise mais lúcida e isenta da frase, claro que infeliz, do infeliz sub senador até agora.
a maior parte do que li esbraveja pq se auto intitula oipinião públia..mas bem ..o que é opinião pública? o jornalão? e quem é o leitor? a maiorai dos eleitores realmenre consom esses veículos?
parabéns.
IAF
Excelente, Alon. Concordo inteiramente que essa relativização da 'formação de opinião' pode - e deve - ser encarada como algo novo a ser construído por nós, cidadãos, para algo positivo e construtivo do ponto de vista político.
Caro Alon,
O que o Senador diz e você sabe disso é que os meios tradicionais não conseguem mais manipular pessoas como antigamente. A informação flui rapidamente por outros meios alternativos com um diferencial, a pessoa pode divergir ou convergir pelas tais ferramentas da internet elencadas por você.
Muitos estão sabendo o por quê do "bombardeio" que o Sarney está sofrendo.
Infelizmente ninguém consegue esconder mais a hipocrisia ou desfaçatez de seus interesses.
Ou o jornalismo passa por uma revisão de seus conceitos ou será aniquilado pela "opinião pública".
No entanto, pelo andar da carruagem a mídia tradicional no país vai para o tudo ou nada nas eleições de 2010, como se outra alternativa não existisse, como por exemplo, fazer um jornalismo ético.
Você, por exemplo, no outro post que fala sobre o crescimento da China deveria fazer ressalvas ao querer comparar ao momento da economia brasileira.
Vejamos: por que a China cresce a taxas robustas? São várias causas, entre elas: é uma ditadura sanguinária. Os dirigentes não têm receios em desapropriar arbitrariamente famílias e comunidades para construir empreendimentos. Aqui no Brasil isso não pode, não é?
São tantas causas, a começar por crescer do "nada" em país continental e de grande demografia.
Na verdade, não devemos comparar Brasil com China no tocante ao crescimento ecoômico. Tenho certeza que você não gostaria de ser chinês, conhecendo a realidade por lá (politcamente, economicamente e socialmente).
Aqui não violentamos etinias. Abraços.
Luis Moreira
Em tempos tao difíceis e desesperançosos para um povo orfao de uma politica honesta e sensivel aos problemas nacionais e bom saber que continuaremos tendo (e teremos ainda mais)condiçoes de fazermos com nossas proprias maos e conciencias as mudanças necessarias. Basta começarmos a termos a vontade de faze-las e nao so uma suposta intençao.
Alon
Eu sinto que nos falta um portal de notícias. Um portal com as clássicas divisões em editorias.
A vantagem do portal eletrônico está em permitir espaço praticamente infinito para que bons analistas de variados matizes ou enfoques se manifestem ao mesmo tempo, além de propiciar a interação imediata com os leitores. Isso é impossível no meio impresso por razões de ordem física e de custo.
Na verdade, eu acho essa idéia meio utópica e não faço a mínima idéia da sua viabilidade econônica.
Nessa utopia, o portal se beneficiaria da produção de notícias das grandes empresas jornalíitcas nacionais e internacionais.
Concordo que os jornais não vão acabar, extamente pelas razões que você apresentou.
Agora, quando tais personagens dizem estar se lixando para a imprensa e para a opinião pública eu sempre lembro daquele dito que explica que ninguém chuta cachorro morto. Se estão reclamando é porque estão sendo incomodados. Eu vejo nesse desprezo/ataque o reconhecimento do peso e da força crescentes da imprensa e da opinião pública melhor informada em ambientes que antes eram confortavelmente controlados desde a Casa Grande por tais sinhozinhos. A grande vantagem da internet hoje é servir de caixa de ressonância nacional para as notícias, que vão desde o último pum do astro da novela das oito até as maracutaias dos politicos e dos governantes.
A qualidade da produção de notícias nas grande empresas é outra discussão. Na minha avaliação ela é ruim. Os donos de jornal precisam melhorar e investir na formação ou aprimoramento do seu principal recurso humano: o jornalista.
Quantos aos mediocres com egos de dimensões oceânicas que ainda infestam a redações, estes estão com os dias contados, depois da queda da obrigatoriedade do diploma.
O que as empresas devem fazer para melhorar a qualidade? Não sei e nem quero saber. Sou leitor, portanto, consumidor de notícias.
Abs.
Volta com força a tese do estorvo. A meu ver, quando criticam mídia tradicional, imprensa, opinião pública etc., estão dizendo, em realidade, que os cidadãos são desnecessários. Um estorvo a ser encostado num canto qualquer ou empurrado por uma pirambeira qualquer. Ora, por que os cidadãos querem saber alguma coisa e formar opinião sobre qualquer coisa? Por que querem ir à escola, ler, escrever, ouvir, assistir para entender alguma coisa, se tudo isso é apenas uma "invenção da mídia tradicional e de seus donos". E o estorvo continuará a ser empurrado pirambeira abaixo. Ou a ter os "donos" que faça por merecer.
Swamoro Songhay
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