O limite da “diplomacia dos amigos” (31/07)
Estados Unidos e Colômbia caminham para estreitar ainda mais as relações militares, com a instalação de bases norte-americanas em território colombiano. Se concretizado, o passo será uma estaca no peito da integração, projeto central da nossa diplomacia. Não à toa reagiu incomodado o Itamaraty. Cada acréscimo de presença bélica norte-americana no subcontinente é uma derrota nossa, um desafio direto à liderança regional.
Acordos militares bilaterais com Washington não combinam com a intenção de coordenar a América do Sul nas políticas de defesa. Trata-se de assunto abordado aqui algumas vezes. As alternativas são claras: ou nós cuidamos da área, ou alguém virá cuidar por nós, e de nós. Parece que a segunda opção ameaça impor-se. E qual é a nossa capacidade de reação? Nenhuma. Ou quase nenhuma, além dos discursos de praxe.
Por que ficamos reduzidos ao jus esperneandi? Eis um bom debate. Afinal, Luiz Inácio Lula da Silva já caminha para o termo de seus oito anos. E após suceder outro presidente, Fernando Henrique Cardoso, que também teve dois mandatos. Boa ocasião para um balanço. Visto que PT e PSDB se mostram tão sabidos, talvez eles possam nos explicar o que foi feito nas últimas quase duas décadas para dotar o Brasil de massa crítica operacional na Defesa.
Infelizmente, nossos bem-elaborados discursos não têm como se fazer acompanhar dos necessários meios materiais de convencimento. E a política tem horror ao vácuo. Como a guerra é só a continuação da política por outros meios, ela também tem aversão ao vazio. Que rapidamente é preenchido por alguém preparado e capacitado. Assim é a vida.
Mas nem tudo está perdido. Deve haver saídas. O Itamaraty poderia aproveitar a inédita unidade hemisférica alcançada no caso de Honduras e costurar uma oferta à Colômbia. Precisaríamos de amplo apoio, mas temos um presidente e diplomatas competentes para consegui-lo. Duas ideias iniciais, peneiradas em conversas com gente do ramo: 1) o desarmamento unilateral e imediato das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), com sua transformação em partido político, no âmbito de uma anistia ampla; e 2) um pacto hemisférico para garantir que qualquer país atacado receba incondicional e automaticamente ajuda militar dos demais para defender-se.
As Farc não terão outra saída caso todos os governos da região se unam de fato para desarmá-las. E a Colômbia não terá pretextos para se abrir à presença bélica dos Estados Unidos se tiver a garantia real, inclusive dos Estados Unidos, de ter sua soberania defendida a todo custo. Regra que os colombianos não seguiram quando bombardearam no Equador um acampamento das Farc e liquidaram um alto comandante da guerrilha. Mais ainda: a Venezuela terá a segurança que pede para seguir em paz seu processo político, que é assunto só dela.
A hora é de encontrar soluções práticas para questões idem. São desejáveis a manutenção da América do Sul como área livre do terrorismo e das armas de destruição em massa e também a garantia coletiva de que os países da região, sem exceções, poderão exercer livremente sua autodeterminação, desde que não interfiram na autodeterminação dos demais. São velhas e boas premissas, que nos últimos tempos têm sido escanteadas pela estranha “diplomacia dos amigos”.
Ela funciona mais ou menos assim: os princípios só valem quando nos interessam, ou aos nossos aliados. A OEA deve readmitir Cuba, porque as limitações à democracia na ilha são assunto interno dos cubanos e o melhor caminho para resolver o problema é o diálogo. Mas a OEA deve também ameaçar expulsar Honduras, pois ali houve um golpe de estado que merece não só uma reação de todo o hemisfério, mas a intervenção ativa nos assuntos internos de Tegucigalpa. Nada há de errado em Manuel Zelaya convocar uma consulta popular rechaçada pelo Congresso e pela Justiça, mas quando a oposição iraniana pede um referendo para validar (ou não) o resultado das últimas eleições isso é inadmissível, coisa de mau perdedor.
É óbvio que uma ginástica assim não se sustenta. O máximo que ela consegue, com seus movimentos espasmódicos e dificilmente explicáveis, é abrir espaço para outros players, mais consistentes. E mais equipados para oferecer soluções a problemas concretos.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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