Lembrados e esquecidos (11/06)
Guardadas as proporções, Gordon Brown é um Winston Churchill desta megacrise. Nos dois aspectos. Por ter construído uma linha de defesa vital para a vitória. E pelo provável destino de ser chutado para casa depois do triunfo
O Brasil passou os últimos nove meses fingindo não ter instrumentos para saber se estava em recessão. Esperando pelos dois trimestres seguidos de crescimento negativo que permitiriam diagnosticar formalmente a “recessão técnica”. O curioso é que só agora falemos abertamente nela, na recessão, exatamente quando a indesejada senhora dá sinais de que vai partir. É como se frequentássemos alternadamente dois universos paralelos. Um deles é a realidade. O outro, a leitura que se faz da realidade para atender a certos propósitos, especialmente políticos.
Esse nonsense foi descrito com bem mais propriedade pelo ex-ministro Delfim Netto, num artigo na Folha de S.Paulo uma semana atrás. No nosso século 21, o da informação instantânea, seria bizarro subordinar a tomada de decisões de curto prazo a estatísticas que levam nove meses para se consolidar. Vamos imaginar, por exemplo, o executivo-chefe de uma empresa que em setembro-outubro de 2009 tenha sido chamado pelos acionistas para explicar o que faria nas semanas seguintes, diante do novo quadro econômico. “Bem, não sei exatamente. Melhor esperar, pois em junho do ano que vem o IBGE vai dizer, com certeza, se é possível ou não falar em recessão.”
Demissão na certa para o executivo. O nosso Banco Central não chegou a tanto. Não esperou junho, mexeu-se em março. Mas lenta e parcimoniosamente. Também graças ao atraso e à timidez do BC, nossa recuperação será relativamente mais modesta e mais vagarosa. Passamos meses deglutindo a conversa de especialistas que brandiam a “ameaça inflacionária do câmbio”, sabidamente inexistente, mas repetida bovinamente pelos porta-vozes das finanças, que recomendavam cautela enquanto não tivéssemos a certeza da “recessão técnica”. Quem ganhou com o engodo? Ora, quem colocou o dinheiro para render em títulos públicos. Quem perdeu? O resto do Brasil.
E quem vai pagar a conta política? Ninguém. Pois nenhum personagem protagonista da cena nacional quis arriscar o delicado pescocinho (e o róseo futuro) para abrir uma frente real de oposição à âncora monetária. Que um dia serviu para controlar a inflação, mas hoje ganhou vida e interesses próprios. Daí que, depois de ajudar a empurrar o país para uma recessão que será mais longa e profunda do que precisava ser, o presidente do BC esteja a preparar a frondosa retomada da carreira eleitoral, agora como fortíssimo candidato ao governo de Goiás.
E apoiado pelo chefe, um presidente da República com a popularidade nas alturas. Até porque Luiz Inácio Lula da Silva, como todo mundo, sabe que há apenas uma certeza sobre as recessões: um dia elas vão embora. Do ângulo do político esperto, basta ter talento suficiente para atravessá-las na base do gogó. De preferência terceirizando responsabilidades.
E o sujeito que teve coragem de agir como líder no meio da tempestade, de apontar a saída quando poucos enxergavam um palmo à frente do nariz? Esse paradoxalmente amarga a desgraça política. Rejeitado em massa pelo eleitorado britânico, o premiê trabalhista Gordon Brown está a um passo da guilhotina. Quando a quebra do Lehman Brothers desencadeou o tsunami em setembro passado, Brown foi o primeiro a dizer, sem subterfúgios, que os estados nacionais deveriam capitalizar imediatamente os bancos, no volume necessário para evitar a quebra. Sem vacilações. E que a estatização seria, sim, a saída mais adequada para salvar grandes empresas em dificuldades, especialmente no setor financeiro.
Brown não só disse. Fez. Os outros vieram depois. Inclusive “os caras”, Barack Obama e Lula. Guardadas as proporções, pode-se olhar Brown como um Winston Churchill desta megacrise. Nos dois sentidos. Por ter liderado a construção de uma linha de defesa vital para a vitória. E pelo provável destino de ser chutado para casa depois do triunfo.
Mas há um detalhe a considerar. Churchill você com certeza sabe quem foi. Duvido que você saiba o nome de quem o sucedeu. Chamava-se Clement Attlee. A História é assim. Nem sempre os espertos do curto prazo têm a garantia de que ela lhes fará mesuras no futuro. E nem sempre a desgraça política momentânea é a certeza do ostracismo eterno.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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O Brasil passou os últimos nove meses fingindo não ter instrumentos para saber se estava em recessão. Esperando pelos dois trimestres seguidos de crescimento negativo que permitiriam diagnosticar formalmente a “recessão técnica”. O curioso é que só agora falemos abertamente nela, na recessão, exatamente quando a indesejada senhora dá sinais de que vai partir. É como se frequentássemos alternadamente dois universos paralelos. Um deles é a realidade. O outro, a leitura que se faz da realidade para atender a certos propósitos, especialmente políticos.
Esse nonsense foi descrito com bem mais propriedade pelo ex-ministro Delfim Netto, num artigo na Folha de S.Paulo uma semana atrás. No nosso século 21, o da informação instantânea, seria bizarro subordinar a tomada de decisões de curto prazo a estatísticas que levam nove meses para se consolidar. Vamos imaginar, por exemplo, o executivo-chefe de uma empresa que em setembro-outubro de 2009 tenha sido chamado pelos acionistas para explicar o que faria nas semanas seguintes, diante do novo quadro econômico. “Bem, não sei exatamente. Melhor esperar, pois em junho do ano que vem o IBGE vai dizer, com certeza, se é possível ou não falar em recessão.”
Demissão na certa para o executivo. O nosso Banco Central não chegou a tanto. Não esperou junho, mexeu-se em março. Mas lenta e parcimoniosamente. Também graças ao atraso e à timidez do BC, nossa recuperação será relativamente mais modesta e mais vagarosa. Passamos meses deglutindo a conversa de especialistas que brandiam a “ameaça inflacionária do câmbio”, sabidamente inexistente, mas repetida bovinamente pelos porta-vozes das finanças, que recomendavam cautela enquanto não tivéssemos a certeza da “recessão técnica”. Quem ganhou com o engodo? Ora, quem colocou o dinheiro para render em títulos públicos. Quem perdeu? O resto do Brasil.
E quem vai pagar a conta política? Ninguém. Pois nenhum personagem protagonista da cena nacional quis arriscar o delicado pescocinho (e o róseo futuro) para abrir uma frente real de oposição à âncora monetária. Que um dia serviu para controlar a inflação, mas hoje ganhou vida e interesses próprios. Daí que, depois de ajudar a empurrar o país para uma recessão que será mais longa e profunda do que precisava ser, o presidente do BC esteja a preparar a frondosa retomada da carreira eleitoral, agora como fortíssimo candidato ao governo de Goiás.
E apoiado pelo chefe, um presidente da República com a popularidade nas alturas. Até porque Luiz Inácio Lula da Silva, como todo mundo, sabe que há apenas uma certeza sobre as recessões: um dia elas vão embora. Do ângulo do político esperto, basta ter talento suficiente para atravessá-las na base do gogó. De preferência terceirizando responsabilidades.
E o sujeito que teve coragem de agir como líder no meio da tempestade, de apontar a saída quando poucos enxergavam um palmo à frente do nariz? Esse paradoxalmente amarga a desgraça política. Rejeitado em massa pelo eleitorado britânico, o premiê trabalhista Gordon Brown está a um passo da guilhotina. Quando a quebra do Lehman Brothers desencadeou o tsunami em setembro passado, Brown foi o primeiro a dizer, sem subterfúgios, que os estados nacionais deveriam capitalizar imediatamente os bancos, no volume necessário para evitar a quebra. Sem vacilações. E que a estatização seria, sim, a saída mais adequada para salvar grandes empresas em dificuldades, especialmente no setor financeiro.
Brown não só disse. Fez. Os outros vieram depois. Inclusive “os caras”, Barack Obama e Lula. Guardadas as proporções, pode-se olhar Brown como um Winston Churchill desta megacrise. Nos dois sentidos. Por ter liderado a construção de uma linha de defesa vital para a vitória. E pelo provável destino de ser chutado para casa depois do triunfo.
Mas há um detalhe a considerar. Churchill você com certeza sabe quem foi. Duvido que você saiba o nome de quem o sucedeu. Chamava-se Clement Attlee. A História é assim. Nem sempre os espertos do curto prazo têm a garantia de que ela lhes fará mesuras no futuro. E nem sempre a desgraça política momentânea é a certeza do ostracismo eterno.
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4 Comentários:
Alon,
devemos lembrar que boa parte da rejeição a "Gordo" vem do próprio cansaço de 10 anos de governo trabalhista. E que Brown não é, certamente, o político mais carismático do mundo.
"...depois de ajudar a empurrar o país para uma recessão que será mais longa e profunda do que precisava ser, o presidente do BC esteja a preparar a frondosa retomada da carreira eleitoral, agora como fortíssimo candidato ao governo de Goiás... E apoiado pelo chefe, um presidente da República com a popularidade nas alturas..."
Apoiado pelo presidente da República e convidado pessoalmente pelo governador do Estado, Alcides Rodrigues (PP), a disputar a eleição pela leganda com todo o apoio da máquina pública. Paparicado pelo DEM, do senador Demóstenes Torres e do líder do partido na Câmara dos deputados, Ronaldo Caiado, além do PR, do relator da Reforma Tributária, dep. federal Sandro Mabel.
Meirelles tem que correr pra empurrar a recessão logo, pois a partir de setembro ele estará com uma mão no BC e um pé no Palácio das Esmeraldas.
A estratégia do presidente Lula agora é conseguir lançar também pela base lulista o candidato do PMDB em Goiás e atual prefeito de Goiânia, Iris Rezende, ao governo do Estado.
Assim, para O companheiro, seria certo um segundo turno entre Meirelles e o senador Marconi Perillo (PSDB), antigo rival de Lula, com vantagem para o presidente do BC, que teria à disposição para campanha os cofres estadual e nacional.
De quebra, a prefeitura de Goiânia cairia nas mãos do aliado de primeira instância de Lula, o vice-prefeito Paulo Garcia que, coincidentemente, é do PT.
É. Mudança de tudo que estava ai é isso. Até recessão é usada como estratégia para catapultar carreira política? E com o apoio do tiomoneiro do crescimento econômico como nunca antes neste País? Interessante.
Swamoro Songhay
Infelizmente, o Gordon tinha uns esqueletos guardados no armário. E, só deve cair mesmo, pq a banca não gostou da sua (dele) "banca".
Já o Zé Sarney, vai precisar de muita ajuda, do outro lado da rua, pra continuar no cargo... e, talvez, a conta do salvamento começe a ficar meio salgada! TOMARA!!!
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