O futuro sempre chega (14/05)

O presidente da República conduz em situação invejável o barquinho ao porto, na reta final do mandato. Nesta altura, governos menos bem avaliados já viveriam o ambiente de corrosão, quando, segundo a piada brasiliense, nem mais cafezinho seria servido ao governante prestes a sair. O sentido mais aguçado dos políticos é o olfato. Sentem de longe, e muito cedo, o cheiro da carne em decomposição. O exemplo mais recente é o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Não parece ser até agora o caso de Luiz Inácio Lula da Silva.
Os americanos criaram uma boa expressão para caracterizar o poderoso que perdeu a capacidade de reproduzir o próprio poder. "Lame duck", pato manco em inglês. Classicamente, o termo designa a situação entre a eleição do sucessor e a posse. Nos Estados Unidos, usa-se o rótulo de maneira ampla, para o Executivo e o Legislativo. Por exemplo, quando estourou a tempestade financeira, no fim do ano passado, a dúvida era se as medidas econômicas contra a crise deveriam ou não ser votadas pelo Congresso "lame duck", ainda na função mas com herdeiro já nomeado.
O esforço maior de qualquer governante é cuidar do seu poder. Coisa relativamente mais simples de fazer quando não há data precisa para sair do cargo. É assim, por exemplo, nos sistemas parlamentaristas. O sujeito vai ficando até perder o apoio político necessário para continuar na cadeira. Aí um dia, qualquer dia, é mandado para casa. Pelo Parlamento ou até pelo próprio partido. Como se deu há pouco com o chanceler trabalhista britânico Tony Blair.
Já nos modelos limitados pelo calendário, como o nosso, a folhinha é o rombo pelo qual o poder vai vazando sem perdão. O que o governante pode tentar controlar é o calibre do buraco do vazamento. Lula tem feito isso com maestria, usando a única arma eficaz nessa situação: a criação de expectativas de poder. Eis a razão do lançamento teoricamente prematuro da candidatura da ministra Dilma Rousseff. Governantes menos vitaminados procuram retardar a inevitável disputa pela sucessão. Lula antecipou-a, para controlá-la melhor. Só faz isso quem tem cacife para colocar na mesa.
O projeto Dilma tem dupla função. No cenário ótimo desenhado por Lula, ele passa a faixa a ela algumas horas após o Ano Novo de 2011. Mesmo no outro cenário, a candidatura da chefe da Casa Civil é a força gravitacional útil para Lula manter o apoio político de que precisa, para fechar 2010 e emplacar 2011 sem sobressaltos. Aliás, quem observa o tecer das relações do petista com Aécio Neves e José Serra percebe o tamanho do investimento feito pelo presidente por um futuro de paz com quem o suceda.
É natural que num cenário assim, de presidente forte, volta e meia apareçam as conversas sobre um novo mandato para Lula. Ainda mais em um país como o nosso, onde o segundo esporte nacional, depois do futebol, é a pseudociência política de conveniência. No Brasil, é sempre bom ficar de olho nos espertos que, de tempos em tempos, apresentam a fórmula mágica, a reforma do momento que vai salvar a República. No mais das vezes não é com a República que eles se preocupam, mas com o próprio pescoço.
Eu posso estar errado, e certamente você me cobrará se estiver, mas nenhum movimento recente de Lula indica que ele próprio esteja a preparar a luta por mais um mandato consecutivo. A tese pipoca aqui e ali no entorno, especialmente o mais afastado. O neoqueremismo seria conveniente para o consórcio governista? Talvez. As ambições iriam automaticamente para o arquivo e os interesses sobressaltados encontrariam um belo guarda-chuva para escapar da tormenta. Quem na base do governo seria maluco de ficar contra Lula se Lula fosse candidato à reeleição?
Mas se o continuísmo com Lula é uma miragem em certo entorno, definitivamente não é bom negócio para o próprio. Como disse, governantes sábios cuidam do próprio poder. Já os muito sábios preparam a melhor maneira de perdê-lo. Porque na política, como nos demais aspectos da vida, há uma única certeza absoluta: o futuro sempre chega. Pode demorar mais, pode até ser empurrado para adiante, mas sempre chega. E chega com a conta.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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7 Comentários:
Quem na base do governo seria maluco de ficar contra Lula se Lula fosse candidato à reeleição? Bem, o Senador Suplicy disse, em plenário, que não apoiaria, como disse, também, que votou contra a reeleição no Governo FHC. Já é um. Se já tem um, fica mais fácil encontrar mais, vários, para exconjurar tal aventura.
Aliás, a julgar tal coisa, faz lembrar a piada sobre abraço de urso. Alguém tira o urso para dançar por mera brincadeira. De repente, cansa-se e quer voltar a sentar. Porém, o urso gostou da brincadeira e quer continuar dançando. Existe outra sobre o escorpião e o sapo. O instinto mostra que fica difícil saber, hoje em dia, quem seria o sapo e quem seria o escorpião. Ou o urso ou quem o tirou para dançar.
Swamoro Songhay
Até agora não ocorreu nenhuma declaração do próprio Lula ou da direção do PT favorável à aventura do 3 mandato.
Já foram tantos boatos, repercussão na imprensa que faz parecer que a oposição deseja que esse tema artificial fique colado às costas do Lula até o fim do mandato. Como um sequestro.
Seria bom se a resposta viesse forte e seca: Lula candidato ao governo de SP - 2010.
Terceiro mandato,é a estratégia mais recente da oposição para desqualificar a candidatura Dilma.
Explora-se ,subjacentemente, a saúde da ministra. Constroi-se ,um pato manco,em versão cabocla:candidato(a), em lugar ,do titular.
Para os comentaristas anteriores:
Fernando Marroni defende terceiro mandato de Lula
'Não posso me conformar que as leis impeçam que tenha continuidade sua liderança', disse o deputado petista
Denise Madueño - Agência Estado
No dia em que o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), tentou acelerar a discussão da reforma política com os líderes partidários, a discussão de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou à cena na Casa. O deputado petista Fernando Marroni (RS) subiu à tribuna para defender a realização de um plebiscito para definir se Lula poderá ou não concorrer a mais um mandato em 2010.
"Não posso me conformar que as leis brasileiras impeçam que tenha continuidade a liderança desse homem. São poucos os líderes no mundo. De vez em quando surge um gênio. Esse é um gênio brasileiro", disse Marroni. "Essa é a soberania popular, é o sentido da democracia. Todo o poder emana do povo e não do Congresso Nacional e da lei. As leis não bastam", argumentou.
O deputado buscou nas pesquisas de opinião mais argumentos para defender o terceiro mandato para Lula. "Estamos há oito anos no poder e agora 85% a 90% do povo brasileiro quer Lula de novo, mas o meu partido não faz essa discussão porque estamos presos a uma tradição lá de trás que dizia que não se podia mudar as regras no meio do jogo", disse.
Apesar de Lula já ter lançado a pré-candidata a sua sucessão, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, Marroni disse que a população tem pedido um terceiro mandato para Lula. O deputado disse ter apreço pela ministra, mas não se conforma que as leis impeçam que Lula possa novamente se candidatar. Mais cedo, Temer reuniu os líderes e acertou uma reunião para a próxima quinta-feira para discutir uma proposta de votar a reforma política.
Como dizia Getulio Vargas:
A lei, ora a lei......parece que neste pais as leis nao servem para nada, entao para que serve o legislativo se ele proprio eh contra as leis?
Ô loco Alon...chamar Lula de governante sábio ou muito sábio é demais né não ?....é lindo.
De qual "população" o Deputado Marroni ouve tal coisa? Repito que o Senador Suplicy, do mesmo partido do Deputado, reitera sempre, em plenário e tribuna, que não apoia. E diz, sempre, que ouviu do próprio Presidente sua discordância com a segunda reeleição. Assim, pode ser que a "população" do Deputado possa encher um fusca. Ou talvez ele tenha errado a palavra e a correta seria populacho (sem aspas)?
Swamoro Songhay
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