Agendas mortas (21/10)
A crise financeira mundial é uma oportunidade para o presidente russo, Vladimir Putin, fazer o ajuste de contas com os oligarcas, milionários que construíram sua riqueza apropriando-se de ativos estatais após o colapso da União Soviética. Da Bloomberg:
Putin May Use Credit Squeeze to `Destroy' Oligarchs
By Torrey Clark and Henry Meyer
Oct. 17 (Bloomberg) -- Vladimir Putin came to power in 2000 vowing to destroy Russia's oligarchs ``as a class.'' Within two years, he'd driven two into exile and imprisoned another. Now, he may use the global markets meltdown to finish the job. The $50 billion that the prime minister and President Dmitry Medvedev have pledged to lend cash-strapped companies will extend state control over business leaders. Billionaires seeking bailouts -- including Oleg Deripaska, Russia's richest man, and Mikhail Fridman -- will have to give authorities veto power over their companies' financing decisions. ``This will give the state more leverage over the country's biggest companies and main industries,'' said Chris Weafer, chief strategist at UralSib Financial Corp in Moscow. ``In 2008, there is only one real oligarch: the state.'' All this marks a reversal from a decade ago, when oligarchs bankrolled Boris Yeltsin's almost-insolvent government. As recently as April, Russia's 100 wealthiest citizens had a combined fortune equivalent to about a third of the economy, Forbes magazine estimated.
Leia aqui o texto inteiro. Quem está bem na crise atual? Seja entre as pessoas, as famílias ou as empresas, leva vantagem quem está operacionalmente no azul, tem pouca dívida e dispõe de caixa. Esses não vão apenas sobreviver, vão poder ir às compras e arrematar baratinho de quem está na outra ponta do espectro: os endividados, sem dinheiro e operacionalmente no vermelho. É a lei da selva. Da turma em dificuldades sobrarão poucos. Vários vão quebrar, alguns serão absorvidos e participarão do que é eufemisticamente chamado de "consolidação". É o outro nome da monopolização, ou oligopolização se preferirem. O sistema bancário brasileiro vai ficar menos competitivo do que já é. Os grandes bancos vão acabar de dominar o mercado e poderão impor suas regras aos clientes, ainda mais. Nas tarifas, por exemplo. Uma área em que o cidadão já é bem esfolado, enquanto o governo finge que nada vê (leia Um país humilhado. E o governo, nem aí). Agora, dinheiro mesmo, de verdade, só quem tem hoje em dia são os governos. É por isso que os negócios privados, após anos de antiestatismo retórico, estendem o pote ao Estado em busca de socorro. Com a turma do "estado mínimo" de pires na mão e à cata de novas idéias, vivem-se tempos em que cabe aos governos decidir quem vai sobreviver e quem vai morrer. Na Rússia está sendo assim, como mostra o texto da Bloomberg. Nos Estados Unidos, também. O governo americano decidiu matar o Lehman Brothers, enquanto salvava outras empresas. Só que a coisa degringolou e teria se transformado em catástrofe se o premiê britânico, Gordon Brown, não tivesse soprado na corneta o toque de avançar. Qual foi o mérito de Brown? O de entender que a crise só poderia ser enfrentada se os governos anunciassem a disposição de capitalizar sem limites qualquer entidade econômica que desejassem. Mas isso terá que ser feito também por meio da aquisição, pelo Estado, de participação societária nas empresas beneficiadas. A estatização das empresas. E a preços bem baixos, dado que o mercado está vendedor, como mostram as bolsas. Daí que a Bloomberg possa dizer que Putin está perto de cumprir sua promessa eleitoral de "destruir os oligarcas como classe". Até no Brasil o governo já entendeu que os bancos estatais devem avançar no mercado (leia também Estatais, graças a Deus). É isso: a sociedade (permito-me usar o termo, por didatismo) pede a proteção do Estado. E eu pergunto: se o alto da pirâmide implora por proteção estatal, como poderá justificar a eliminação das ralas proteções que o Estado dispensa à base da formação social? Como falar em reforma trabalhista ou previdenciária? São hoje agendas mortas. Ainda que possam ressuscitar lá na frente, quando o edifício tiver parado de chacoalhar e a turma de sempre sentir-se novamente com força para avançar no bolso alheio.
http://twitter.com/alonfe
Clique aqui para assinar gratuitamente este blog.
Para mandar um email ao editor do blog, clique aqui.
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo.
Putin May Use Credit Squeeze to `Destroy' Oligarchs
By Torrey Clark and Henry Meyer
Oct. 17 (Bloomberg) -- Vladimir Putin came to power in 2000 vowing to destroy Russia's oligarchs ``as a class.'' Within two years, he'd driven two into exile and imprisoned another. Now, he may use the global markets meltdown to finish the job. The $50 billion that the prime minister and President Dmitry Medvedev have pledged to lend cash-strapped companies will extend state control over business leaders. Billionaires seeking bailouts -- including Oleg Deripaska, Russia's richest man, and Mikhail Fridman -- will have to give authorities veto power over their companies' financing decisions. ``This will give the state more leverage over the country's biggest companies and main industries,'' said Chris Weafer, chief strategist at UralSib Financial Corp in Moscow. ``In 2008, there is only one real oligarch: the state.'' All this marks a reversal from a decade ago, when oligarchs bankrolled Boris Yeltsin's almost-insolvent government. As recently as April, Russia's 100 wealthiest citizens had a combined fortune equivalent to about a third of the economy, Forbes magazine estimated.
Leia aqui o texto inteiro. Quem está bem na crise atual? Seja entre as pessoas, as famílias ou as empresas, leva vantagem quem está operacionalmente no azul, tem pouca dívida e dispõe de caixa. Esses não vão apenas sobreviver, vão poder ir às compras e arrematar baratinho de quem está na outra ponta do espectro: os endividados, sem dinheiro e operacionalmente no vermelho. É a lei da selva. Da turma em dificuldades sobrarão poucos. Vários vão quebrar, alguns serão absorvidos e participarão do que é eufemisticamente chamado de "consolidação". É o outro nome da monopolização, ou oligopolização se preferirem. O sistema bancário brasileiro vai ficar menos competitivo do que já é. Os grandes bancos vão acabar de dominar o mercado e poderão impor suas regras aos clientes, ainda mais. Nas tarifas, por exemplo. Uma área em que o cidadão já é bem esfolado, enquanto o governo finge que nada vê (leia Um país humilhado. E o governo, nem aí). Agora, dinheiro mesmo, de verdade, só quem tem hoje em dia são os governos. É por isso que os negócios privados, após anos de antiestatismo retórico, estendem o pote ao Estado em busca de socorro. Com a turma do "estado mínimo" de pires na mão e à cata de novas idéias, vivem-se tempos em que cabe aos governos decidir quem vai sobreviver e quem vai morrer. Na Rússia está sendo assim, como mostra o texto da Bloomberg. Nos Estados Unidos, também. O governo americano decidiu matar o Lehman Brothers, enquanto salvava outras empresas. Só que a coisa degringolou e teria se transformado em catástrofe se o premiê britânico, Gordon Brown, não tivesse soprado na corneta o toque de avançar. Qual foi o mérito de Brown? O de entender que a crise só poderia ser enfrentada se os governos anunciassem a disposição de capitalizar sem limites qualquer entidade econômica que desejassem. Mas isso terá que ser feito também por meio da aquisição, pelo Estado, de participação societária nas empresas beneficiadas. A estatização das empresas. E a preços bem baixos, dado que o mercado está vendedor, como mostram as bolsas. Daí que a Bloomberg possa dizer que Putin está perto de cumprir sua promessa eleitoral de "destruir os oligarcas como classe". Até no Brasil o governo já entendeu que os bancos estatais devem avançar no mercado (leia também Estatais, graças a Deus). É isso: a sociedade (permito-me usar o termo, por didatismo) pede a proteção do Estado. E eu pergunto: se o alto da pirâmide implora por proteção estatal, como poderá justificar a eliminação das ralas proteções que o Estado dispensa à base da formação social? Como falar em reforma trabalhista ou previdenciária? São hoje agendas mortas. Ainda que possam ressuscitar lá na frente, quando o edifício tiver parado de chacoalhar e a turma de sempre sentir-se novamente com força para avançar no bolso alheio.
http://twitter.com/alonfe
Clique aqui para assinar gratuitamente este blog.
Para mandar um email ao editor do blog, clique aqui.
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo.
5 Comentários:
Alguem me explique como é que fica a oposição que é contra o FSB qdo a UE começa a pensar na ideia de montar um pra ela?
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/10/081021_sarkozy_fundos_cq.shtml
Sera que eles nao vao mudar o discurso? Ou vao perder outra eleição e ser aniquilidados como esta ocorrendo com o DEM?
E dá-lhe silêncio liberal. Deve estar ocorrendo algum simpósio em Chicago.
Alon
"destruir os oligarcas como classe".
Pois é.
Pergunta:
Essas "novas" oligarquias que o Putin quer destruir não emergiram da burocracia do PCUS depois do fim do comunismo?
Se a resposta for não, de onde elas vieram? Como se constituíram como "nova" oligarquia. Considerando que o fim do comunismo na URSS é fenômeno recente (1989), não é um tanto estranho falar em "oligarcas como (nova) classe" num período de 21 anos? É pouco tempo. Essa oligarquia já estava prontinha da Silva no Ancien Régime, Alon. Que eu saiba, não existiam oligarquias liberais na URSS e no PCUS.
Evidente que o assanhamento do Putin é muito mais pela excelente oportunidade de promover a substituição das"novas" oligarquias por outras mais "novinhas" e mais controladinhas por ele. Putin está ligado no que a turma chama "janelas de oportunidade". Vai comprar baratinho, baratinho e distribuir para os seus novos amiguinhos, tudo, é claro, em nome da mãe Rússia.
Sim, nem me passa pela idéia que você, nesta altura da vida, esteja convencido que o camarada Putin irá ás compras em nome do proletariado.
Estou certo, caro co-araújo?
Abs, tovarisches.
Co-Araujo,
Há um livro muito bom, The Oligarchs - Wealth and Power in the new Russia, de David Hoffman, ex-chefe do bureau do Washington Post em Moscou, que descreve detalhadamente a "carreira" dos cidadãos. De um matemático (Berezovsky) que começou a buscar carros para revenda a um cenógrafo e ator frustrado, tinha de tudo e o elemento determinante não foi a carteirinha do PCUS.
O que teve origem no Partido foi a rede de apadrinhamento, particularmente Yeltsin e o aparato gestor das grandes estatais.
Quanto a Putin, confesso minha ambivalência. Esse misto de barreira de contenção à sanha norteamericana, de paladino da reconstrução econômica a partir dos escombros deixados pelo liberalismo versão eslava e a recidiva do grão-russismo, digamos que hipoteco 2/3 de apoio (como se o Vladimir tivesse qualquer necessidade ou interesse no mesmo ... Vanitas, oh vanitas!).
abs
Os oligarcas russos têm duas origens principais: a turma que era do partido comunista e a turma que atuava no (gigantesco) mercado negro na época do socialismo real. Vários apanharam feio na crise de 1998. Se não me falha a memória, os que vieram do partido sobreviveram melhor à crise.
Agora: é claro que Putin está apenas redistribuindo o saque dos oligarcas do Ieltsin para uma turma dele.
Um sociólogo húngaro, Akos Rona-Tas, argumentou que poderia se formar um ciclo vicioso: os rent-seekers se apossam do mercado, o mercado funciona mal, a população pede intervenção estatal, abre-se espaço para mais rent-seeking, etc.
Postar um comentário
<< Home