Quem cuida da inflação? (27/06)
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (27/06/2008) no Correio Braziliense.
O ditado diz que não se mexe em time que está ganhando. Não apoiado. Em time que está ganhando é que se mexe, antes que comece a perder
Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br
Parece claro a esta altura que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mostra disposto a caminhar na beirinha do precipício. O governo federal conduz a inflação para uma alta moderada mas consistente, na suposição de que isso é preferível a refrear em algum grau o crescimento e a geração de empregos.
É uma conta de chegada. Lula dá sinais de que age, na reta final de seu ciclo, como o típico governante brasileiro. O presidente parece não estar nem aí com o que vai acontecer no Brasil depois de 2010. Já que, aparentemente, os projetos para um terceiro mandato foram repassados ao arquivo morto.
Volta e meia Lula reafirma verbalmente seu compromisso antiinflacionário. Mas a falta de convicção do presidente quanto à prioridade do tema fica nítida na timidez que a administração demonstra ao tratar do assunto. Para começar, como já se registrou na imprensa, não há quem no governo esteja voltado integral e obstinadamente para o combate à subida dos preços.
A prioridade da ministra-chefe da Casa Civil é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que além das rodovias federais pavimenta a candidatura dela à cadeira de Lula. Já o titular da Fazenda anda preocupado mesmo é com o Fundo Soberano. Pelo andar das contas externas, entretanto, é bom o ministro correr com o assunto antes que a proposta morra por falta de dinheiro. O do Planejamento, como é do cargo, concentra-se em azeitar as engrenagens orçamentárias para que a execução ande bem.
Sobra o presidente do Banco Central. Mas esse é outro que leva jeito de estar fazendo uma conta de chegada. Enquanto o animal selvagem da inflação ganha musculatura, o presidente do BC parece mais voltado à tarefa de costurar as condições políticas para governar Goiás a partir de 2011.
Lula deve a reeleição em 2006 ao voto dos pobres e da classe média baixa. Nos dois grupos, o candidato do PT recolheu nas urnas os dividendos políticos da sábia decisão que adotou em 2003, quando atacou a inflação com unhas, dentes, paus, pedras e mais tudo que estivesse à mão. Infelizmente, porém, essa diretriz parece pertencer ao passado.
Semanas atrás, o presidente foi a Roma para uma conferência em que se discutiria a inflação dos alimentos. Mas Lula chegou ali focado apenas na alardeada sustentabilidade do etanol brasileiro. É um sinal dos tempos. O antes líder mundial do combate à fome dispôs-se a voar milhares de quilômetros para participar de um debate sobre a fome dos pobres e não apresentou qualquer proposta para aumentar maciçamente a produção de comida no planeta.
O pavio da volta da inflação brasileira foi aceso lá fora. A pressão da demanda mundial por alimentos e matérias-primas traduz-se aqui como um choque de custos. Diante do qual os mecanismos convencionais devem ser questionados. Que taxa de juros e que superávit fiscal precisaríamos adotar para que a inflação interna fosse abatida, mesmo com um cenário global de pressão de preços? Possivelmente, superávit e juros suficientes não apenas para conter a inflação, mas também para imobilizar o país.
E o pior é que não há, mesmo no cenário mais austero, garantia de que agora o remédio vá funcionar bem. É razoável que países façam ajustes rápidos e dolorosos para matar a inflação. Mas não é razoável que a terapia de choque seja ministrada sem a certeza de que irá curar a doença. Aliás, um dos riscos que corremos é cair no pior cenário: brecar a economia brasileira e continuar a sofrer com a inflação vinda de fora.
Cenários não convencionais exigem disposição e coragem para pensar em novas soluções. A primeira delas será encontrar mecanismos para garantir a oferta abundante de alimentos no mercado interno de modo a preservar o poder de compra da população mais pobre. O assunto é tão delicado que na Argentina o governo de Cristina Kirchner sofre um cerco de morte por ter tomado decisões nesse sentido. Lá, como cá, os grandes agricultores são socialistas na hora de exigir o perdão das dívidas que calotearam. Mas quando o país pede deles algum sacrifício em nome do bem comum, retomam rapidamente suas melhores convicções capitalistas.
Outra providência urgente é evitar a propagação dos movimentos de alta nos preços, mas sem mergulhar o Brasil na recessão. Ou seja, é necessário que de algum modo o governo controle o mercado.
O ditado diz que não se mexe em time que está ganhando. Não apoiado. Em time que está ganhando é que se mexe, antes que comece a perder. A não ser, é claro, que Lula deseje fazer do seu segundo mandato uma reedição dos piores erros do primeiro quadriênio de Fernando Henrique Cardoso, um governo que nos quesitos “rolar com a barriga” e “conta de chegada” parecia insuperável.
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Parece claro a esta altura que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mostra disposto a caminhar na beirinha do precipício. O governo federal conduz a inflação para uma alta moderada mas consistente, na suposição de que isso é preferível a refrear em algum grau o crescimento e a geração de empregos.
É uma conta de chegada. Lula dá sinais de que age, na reta final de seu ciclo, como o típico governante brasileiro. O presidente parece não estar nem aí com o que vai acontecer no Brasil depois de 2010. Já que, aparentemente, os projetos para um terceiro mandato foram repassados ao arquivo morto.
Volta e meia Lula reafirma verbalmente seu compromisso antiinflacionário. Mas a falta de convicção do presidente quanto à prioridade do tema fica nítida na timidez que a administração demonstra ao tratar do assunto. Para começar, como já se registrou na imprensa, não há quem no governo esteja voltado integral e obstinadamente para o combate à subida dos preços.
A prioridade da ministra-chefe da Casa Civil é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que além das rodovias federais pavimenta a candidatura dela à cadeira de Lula. Já o titular da Fazenda anda preocupado mesmo é com o Fundo Soberano. Pelo andar das contas externas, entretanto, é bom o ministro correr com o assunto antes que a proposta morra por falta de dinheiro. O do Planejamento, como é do cargo, concentra-se em azeitar as engrenagens orçamentárias para que a execução ande bem.
Sobra o presidente do Banco Central. Mas esse é outro que leva jeito de estar fazendo uma conta de chegada. Enquanto o animal selvagem da inflação ganha musculatura, o presidente do BC parece mais voltado à tarefa de costurar as condições políticas para governar Goiás a partir de 2011.
Lula deve a reeleição em 2006 ao voto dos pobres e da classe média baixa. Nos dois grupos, o candidato do PT recolheu nas urnas os dividendos políticos da sábia decisão que adotou em 2003, quando atacou a inflação com unhas, dentes, paus, pedras e mais tudo que estivesse à mão. Infelizmente, porém, essa diretriz parece pertencer ao passado.
Semanas atrás, o presidente foi a Roma para uma conferência em que se discutiria a inflação dos alimentos. Mas Lula chegou ali focado apenas na alardeada sustentabilidade do etanol brasileiro. É um sinal dos tempos. O antes líder mundial do combate à fome dispôs-se a voar milhares de quilômetros para participar de um debate sobre a fome dos pobres e não apresentou qualquer proposta para aumentar maciçamente a produção de comida no planeta.
O pavio da volta da inflação brasileira foi aceso lá fora. A pressão da demanda mundial por alimentos e matérias-primas traduz-se aqui como um choque de custos. Diante do qual os mecanismos convencionais devem ser questionados. Que taxa de juros e que superávit fiscal precisaríamos adotar para que a inflação interna fosse abatida, mesmo com um cenário global de pressão de preços? Possivelmente, superávit e juros suficientes não apenas para conter a inflação, mas também para imobilizar o país.
E o pior é que não há, mesmo no cenário mais austero, garantia de que agora o remédio vá funcionar bem. É razoável que países façam ajustes rápidos e dolorosos para matar a inflação. Mas não é razoável que a terapia de choque seja ministrada sem a certeza de que irá curar a doença. Aliás, um dos riscos que corremos é cair no pior cenário: brecar a economia brasileira e continuar a sofrer com a inflação vinda de fora.
Cenários não convencionais exigem disposição e coragem para pensar em novas soluções. A primeira delas será encontrar mecanismos para garantir a oferta abundante de alimentos no mercado interno de modo a preservar o poder de compra da população mais pobre. O assunto é tão delicado que na Argentina o governo de Cristina Kirchner sofre um cerco de morte por ter tomado decisões nesse sentido. Lá, como cá, os grandes agricultores são socialistas na hora de exigir o perdão das dívidas que calotearam. Mas quando o país pede deles algum sacrifício em nome do bem comum, retomam rapidamente suas melhores convicções capitalistas.
Outra providência urgente é evitar a propagação dos movimentos de alta nos preços, mas sem mergulhar o Brasil na recessão. Ou seja, é necessário que de algum modo o governo controle o mercado.
O ditado diz que não se mexe em time que está ganhando. Não apoiado. Em time que está ganhando é que se mexe, antes que comece a perder. A não ser, é claro, que Lula deseje fazer do seu segundo mandato uma reedição dos piores erros do primeiro quadriênio de Fernando Henrique Cardoso, um governo que nos quesitos “rolar com a barriga” e “conta de chegada” parecia insuperável.
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