
Quem quiser saber mais sobre as origens recentes da violência política na Colômbia pode ler os verbetes
La Violencia,
Jorge Eliécer Gaitán e
Bogotazo, na Wikipedia. E esse negócio de guerra civil no país vizinho é bem antigo, como pode ser visto em
O amor nos tempos do cólera (clique na imagem), que está em cartaz, baseado naturalmente na monumental obra de
Gabriel Garcia Márquez. Em resumo, a violência política moderna na Colômbia nasceu das refregas entre os liberais e os conservadores. Mais especificamente, de estes últimos terem abortado em meados do século passado a ascensão política de massas populares urbanas, cujo símbolo maior era o liberal Gaitán -afinal assassinado. Uma
pesquisa sobre o sistema eleitoral colombiano mostra que as mulheres só obtiveram o direito a voto em 1957. E só em 1986 foi implantada a eleição direta de prefeitos e governadores. Na Colômbia, a falta de um ambiente de convivência democrática mais cristalizado decorre principalmente de um sistema político historicamente elitista e oligárquico. Sistema no qual, repito, a violência foi institucionalizada por décadas, pela classe dominante, como o método preferido para resolver as disputas pelo poder e as questões políticas em geral. Não foram as
Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) nem o
ELN (Exército de Libertação Nacional) quem inventou a guerra civil na Colômbia, ainda que ambas sejam legítimas herdeiras da tradição insurrecional e guerrilheira naquele país. Por que estou discorrendo sobre isso, sobre a história da violência política na Colômbia? Tenho a pretensão de que as pessoas que se dão ao trabalho de vir até aqui e gastam seu tempo lendo o que escrevo participem do esforço de introduzir alguma racionalidade no debate político.
Agora a disputa é sobre se as Farc são ou não são terroristas. De um ângulo racional, essa polêmica não tem qualquer importância. O presidente dos Estados Unidos,
George W. Bush, começou seu atual périplo pelo Oriente Médio visitando o presidente da Autoridade Palestina,
Mahmoud Abbas. Quem vem a ser o líder da
Fatah, princpal partido político palestino. A Fatah tem um braço paramilitar, as
Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, responsáveis por uma série de atentados a bomba contra civis israelenses. Por que Bush não exige que a Fatah dissolva imediatamente seu braço paramilitar como pré-condição para quaisquer negociações relacionadas à fundação de um estado palestino? Porque não seria realista, ainda mais agora que a Fatah e Abbas são o trunfo americano e israelense contra a expansão do poder do
Hamas. Aliás, a Síria acaba de participar, como convidada dos Estados Unidos, de uma
conferência em Annapolis (EUA) destinada a discutir um futuro de paz no Oriente Médio.
Isso apesar de Damasco ser suspeita em Washington de operar os cordéis na escalada de atentados contra políticos libaneses de orientação anti-Síria. A política é complexa. A diplomacia, mais ainda. Vejam a
definição oficial de terrorismo, segundo os Estados Unidos (em inglês, Wikipedia):
…activities that involve violent… or life-threatening acts… that are a violation of the criminal laws of the United States or of any State and… appear to be intended (i) to intimidate or coerce a civilian population; (ii) to influence the policy of a government by intimidation or coercion; or (iii) to affect the conduct of a government by mass destruction, assassination, or kidnapping; and… (C) occur primarily within the territorial jurisdiction of the United States… [or]… (C) occur primarily outside the territorial jurisdiction of the United States…" (...)O espectro é amplo, como se vê. Basicamente, para os americanos, terrorismo é aquilo que os americanos crêem ser terrorismo. Na terra deles ou em outro lugar qualquer. Tampouco vou perder aqui meu tempo discutindo se os Estados Unidos têm ou não o direito de definir o que é terrorismo para eles. Também da Wikipedia, um depoimento interessante de
Edward Peck, um típico liberal americano (o adjetivo lá é sinônimo de esquerdista):
In 1985, when I was the Deputy Director of the [Ronald] Reagan White House Task Force on Terrorism, they asked us — this is a Cabinet Task Force on Terrorism; I was the Deputy Director of the working group — they asked us to come up with a definition of terrorism that could be used throughout the government. We produced about six, and each and every case, they were rejected, because careful reading would indicate that our own country had been involved in some of those activities. […] After the task force concluded its work, Congress got into it, and you can google into U.S. Code Title 18, Section 2331, and read the U.S. definition of terrorism. And one of them in here says — one of the terms, “international terrorism,” means “activities that,” I quote, “appear to be intended to affect the conduct of a government by mass destruction, assassination or kidnapping.” […] Yes, well, certainly, you can think of a number of countries that have been involved in such activities. Ours is one of them. Israel is another. And so, the terrorist, of course, is in the eye of the beholder (...)
Quem acompanha este blog sabe da minha repulsa ao terrorismo. Pesquisem. E da minha rígida defesa dos direitos das vítimas da violência. Pesquisem. Só que eu não misturo essas coisas com política. Acompanhei hoje o
noticiário sobre as condições vividas pelos prisioneiros das Farc. Parece ser uma reprodução, na selva e com menos tecnologia, do que se passa com os
detidos pelos Estados Unidos em Guantánamo (foto). Eu não me meto em campanhas contra a prisão americana na ilha cubana, assim como não vou ficar aqui lamentando as desumanas condições em que sobrevivem os presos das Farc. A guerra é sempre um horror. Se o sujeito não gosta das conseqüências da guerra, o melhor é buscar caminhos que permitam dar um basta ao conflito. Na África do Sul, na Nicarágua, em El Salvador, no Uruguai (onde ex-
tupamaros presidem ambas as Casas do Congresso) ou na Palestina, grupos que a seu tempo foram classificados de terroristas hoje disputam o poder pela via eleitoral, em geral com sucesso. Na Colômbia, o desejável é que se siga por esse mesmo caminho. A libertação ontem das duas reféns deveria, penso eu, abrir espaço para um diálogo patriótico incondicional. Quem não quer esse diálogo? Aqueles cujo poder repousa exatamente na existência de uma guerra civil. Sem a guerra civil,
Álvaro Uribe deixa de ter significado político. Reparem como se torceu freneticamente para que a operação de soltura das reféns terminasse em fracasso.
Uma Colômbia em paz significará estrada aberta para a ascensão da esquerda colombiana ao poder. É disso que se trata. E, como em outras situações semelhantes, logo os Estados Unidos perceberão que essa pode ser a melhor alternativa também para eles. Que, no fundo, só não querem é confusão ao sul do Rio Grande.
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