O vento a favor do continuísmo (30/10)
O nome preferido de Lula para 2010 virá do PT e necessariamente será alguém dependente da bênção de Lula para virar candidato
Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br
Um hipotético terceiro mandato para Luiz Inácio Lula da Silva deixou na semana passada o terreno do boato e instalou-se no mundo muito material das especulações políticas. Os repórteres Ugo Braga e Fernanda Odilla revelaram no Correio que aliados do presidente, com aspas e tudo, movimentam-se no Congresso Nacional para apresentar uma emenda à Constituição com esse fim. À notícia, seguiram-se os habituais panos quentes. O presidente não quer, o país não aceita, só com uma revolução, etc.
Na análise política, é sempre saudável relativizar as declarações dos personagens — ou, pelo menos, submetê-las ao confronto com os fatos produzidos pelos mesmos personagens. O folclore político de Brasília, por exemplo, já incorporou a constatação de que é péssimo negócio o sujeito aparecer no noticiário como alguém de quem o atual presidente da República gosta muito. Ou alguém a quem Lula está disposto a ajudar. A lista é extensa e registra um único sobrevivente: Nelson Jobim, triturado pela máquina palaciana na disputa pela presidência do PMDB e ressuscitado apenas quando Lula dele precisou para salvar a própria pele na crise aérea.
Lula move as peças do xadrez da sucessão com três objetivos. O primeiro é evitar que se consolide prematuramente no seu próprio campo um único nome. O segundo é evitar que se fortaleçam no seu campo nomes fora do PT. O terceiro é evitar que se consolidem no PT alternativas que prescindam do “dedazo”, a indicação de Lula. Você já percebeu que a resultante desses três vetores é uma só: o nome preferido de Lula para 2010 virá do PT e necessariamente será alguém dependente da bênção de Lula para ser candidato.
A eleição de Cristina Kirchner para suceder o marido na vizinha Argentina terá o condão de, finalmente, mandar para o arquivo das coisas inservíveis a tese, difundida à larga entre nós, de que “voto não se transfere”. Transfere-se sim, especialmente se o governo é bem avaliado e a oposição não consegue se unir em torno de um único nome — ou atrair parte da base política do oficialismo.
A partir dessas duas premissas, de que 1) Lula quer indicar soberanamente o sucessor e 2) voto se transfere, chegamos ao projeto do presidente da República para 2010: manter-se no poder. Por meio dele próprio ou de interposta pessoa. Não necessariamente nessa ordem.
Avaliações realistas apontam que uma emenda constitucional para permitir a Lula a disputa de um terceiro mandato seguido teria, hoje, chances razoáveis de obter os três quintos necessários na Câmara dos Deputados. Mesmo o bloco PSB-PCdoB, que se articula em torno de Ciro Gomes para 2010, reavaliaria o quadro a partir do fato novo. As dificuldades maiores vêm do Senado, onde o governo está às voltas com a missão de transformar o limão numa limonada: aproveitar a guerra em torno da prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para construir uma base tão folgada quanto a que exibe na Casa ao lado.
Prorrogada a CPMF, com a economia de vento em popa, com a popularidade em alta e com base folgada no Legislativo, Luiz Inácio Lula da Silva estará de mãos livres para conduzir sua própria sucessão como bem desejar, e com uma margem considerável de manobra. O cálculo de alguns tucanos é que Lula, nesse cenário, não se incomodará em ser sucedido por um político do PSDB. Para não ter de enfrentar alguém do seu próprio campo em 2014, se eventualmente decidir voltar ao Palácio do Planalto. Trata-se de um exercício de wishful thinking. Em inglês, tomar os desejos pela realidade.
O realismo político ensina que espaços de poder não se concedem, conquistam-se. Melhor ainda do que entregar a faixa a um tucano amistoso será, para Lula, passar o pano auriverde a alguém do PT que aceite a liderança do chefe. Especialmente se o instituto da reeleição estiver abolido, como Lula diz desejar. Sabe-se que esses cálculos costumam não dar certo, que a criatura pode acabar criando problemas para o criador. Tais ponderações, porém, nunca são suficientemente fortes quando se trata, para um determinado grupo, de encontrar maneiras de permanecer no poder.
Grupos palacianos querem, em primeiro lugar, continuar onde estão. Mesmo a uma eternidade das eleições, é justo dizer que os ventos hoje sopram a favor do continuísmo. Claro que muita coisa pode acontecer até 2010. Mas isso não significa que estejamos impedidos de analisar o quadro. Não é inteligente — nem chega a exigir grande coragem — deixar de perscrutar o horizonte sob o pretexto de que talvez os ventos passem a soprar em outra direção, ou em outro sentido.
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