O Estado de S.Paulo publica em suas Notas e Informações um editorial exemplar, pela transparência. O título é
Sinais de guerra fria. O texto abre assim:
À margem dos horrores no Oriente Médio, um novo foco de tensão internacional vem se expandindo sem cessar nos últimos meses e semanas. Trata-se da acentuada deterioração das relações entre a Rússia e o Ocidente - a ponto de se poder afirmar, sem exagero, que elas nunca estiveram piores desde o desaparecimento da União Soviética. Aliás, eram melhores ao tempo do último líder da URSS, Mikhail Gorbachev. Agora, no entender de muitos, o clima de crispação, motivado por uma escalada de desentendimentos e acusações recíprocas, ressuscita uma expressão que se imaginava sepultada: guerra fria. (...)Logo depois, o editorial do Estadão explica por que, no seu entender, as coisas vão mal entre a Rússia e o Ocidente:
(...) Na raiz do novo conflito estão os impulsos pavlovianos do Kremlin para, de um lado, se impor aos antigos Estados bálticos vassalos, como a Estônia e a Lituânia - que não só conquistaram a independência, mas aderiram à Organização do Tratado do Atlântico Norte -, e, de outro, influir nas políticas da União Européia (UE), valendo-se do fato de que a Rússia fornece 25% do gás e proporção crescente do petróleo consumidos pelos membros da UE. A isso se soma o problema militar-estratégico criado pela decisão americana de instalar escudos antimísseis na Polônia e na República Checa, com a plena concordância de ambas, a pretexto de neutralizar eventuais ameaças iranianas. (Continua...)Vejam só. De 1991 para cá, na onda da restauração desencadeada por Mikhail Gorbatchev, a União Soviética deixou de existir e a Rússia emergiu como importante país capitalista da Europa. Qual foi a resposta européia e ocidental a essa conversão russa?
1) A Europa, especialmente a Alemanha, atuou decisivamente para a fragmentação da Iugoslávia e o isolamento da Sérvia, tradicional aliada da Rússia na região. Naturalmente, os Estados Unidos ajudaram no que puderam.
2) A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) nasceu no âmbito da polaridade Leste-Oeste. A polaridade deixou de existir com o fim do Tratado de Varsóvia, mas a OTAN está aí, adotando uma política agressiva de expansão para o oriente.
O capítulo mais recente é a iniciativa americana de instalar escudos antimísseis em países do leste europeu. O que daria aos americanos e aliados uma vantagem estratégica sobre a Rússia.
3) Todo e qualquer movimento anti-russo em países da antiga União Soviética é apoiado abertamente pelos Estados Unidos e pela Europa. Casos mais recentes são a Geórgia, a
Ucrânia e a Estônia. Tais movimentos geralmente deitam raízes nas correntes políticas que colaboraram localmente com a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial.
Na Estônia, aliás, as autoridades pró-ocidentais vem de remover os túmulos de soldados soviéticos e o monumento em homenagem à libertação do país, pela URSS, no fim do conflito contra o Eixo. A razão para a remoção do bronze e das ossadas é emblemática: de acordo com o governo atlantista de Tallinn, o monumento supostamente contribuía para dividir a Estônia. Num certo sentido é verdade, já que parte das forças estonianas hoje dominantes descente politicamente de correntes que lutaram ao lado das tropas nazistas na guerra.
Afirmar que a Rússia capitalista adota uma atitude agressiva em relação ao Ocidente é uma tese que carece de demonstração, além de carregar boa dose de humor. O editorial do Estadão, infelizmente, substitui a História pela ideologia. O fato é que
a Rússia começa a se reerguer do seu Versailles particular, imposto pelas potências vencedoras da guerra fria. É mais inteligente aceitar esse fato do que tentar enxergar o mundo pelo avesso. Como faz o (como sempre, muito bem escrito) editorial do Estadão.
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