Volto aos estertores da crise militar, que felizmente para os usuários da aviação civil já deixou de ser uma crise aérea. Depois que acabou (por enquanto) a agitação político-sindical entre os sargentos, estimulada por gente do governo, a Força Aérea Brasileira (FAB) vem demonstrando sua capacidade de controlar o tráfego aéreo nacional. Mas não é só a FAB que vai bem. Também o Palácio do Planalto tem demonstrado nos últimos dias uma renovada capacidade de travar a disputa de versões na imprensa. Isso é bom e democrático. Jornalismo é confrontar versões, na busca obstinada pelos fatos. Para separar os fatos dos mitos. Um mito, por exemplo, é que Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ceder aos controladores de vôo na sexta-feira (30 de março) à noite porque a FAB não tinha um Plano B e era necessário evitar mais transtornos aos passageiros. Bem, desde setembro Lula vinha convivendo bem com a dor de cabeça diária causada aos usuários da aviação civil. No Natal, quando o sistema quase entrou em colapso, o presidente fez declarações genéricas sobre o overbooking (coisa que agora as autoridades dizem que não existiu). Em seguida, lavou as mãos. Os constantes "ultimatos" do presidente foram aparentemente ignorados durante todo esse tempo, sem que ele reagisse. Você poderá argumentar que se trata de um padrão de comportamento. Isso não é fato. Quando, recentemente, Lula bateu o martelo da compra da Nova Varig pela Gol, mandou a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) analisar (aprovar) o negócio a toque de caixa. Foi o que a ANAC fez, pois manda quem pode e obedece quem tem juízo. A verdade é que o assim chamado caos nos aeroportos era útil ao governo em seu propósito de transferir o controle do tráfego aéreo nacional para a esfera da ANAC e da Infraero, transferência embalada com o bonito nome de "desmilitarização". Eu continuo querendo saber, aliás, quais os bombons que vêm dentro do ovo de Páscoa da "desmilitarização". E a história da sexta-feira, 30, ainda está por ser completamente contada. Um deputado federal me relatou na última quarta-feira, no plenário da Câmara, que tentou mandar sinais na sexta-feira pela manhã ao Palácio do Planalto de que os controladores planejavam transformar o fim-de-semana num inferno. A reação do governo parece ter sido nenhuma. Com raras exceções, os ministros aproveitaram a viagem de Lula aos Estados Unidos e se mandaram de Brasília. A começar pelo ministro da Defesa, que antes de cair fora da cidade deu uma coletiva na qual afirmou a "legitimidade" do movimento dos sargentos e se limitou a advertir para os riscos de "retrocesso". Foi um comportamento adequado para autoridades supostamente preocupadas com o bem-estar dos passageiros acima de tudo? Não creio. Minha hipótese é que o governo avaliou mal. Não imaginou que, em horas, o novo transtorno se transformaria em colapso. E por que o governo não imaginou isso? Talvez porque a greve geral não estivesse nos planos dos controladores naquela sexta-feira. A idéia deles era iniciar uma greve de fome que, com o tempo, levaria o sistema à paralisia. A greve geral só explodiu quando os líderes do movimento perderam o controle da situação, diante da ameaça de punições. Ou seja, o que era para ser mais um fim-de-semana de confusão nos aeroportos se transformou, inesperadamente, num cenário de paralisação total dos serviços aéreos comerciais. E o novo quadro pegou o Palácio do Planalto no contrapé. Foi aí que o governo cometeu seu segundo erro de avaliação. Imaginou que a precipitação da crise era a oportunidade que faltava para dar o xeque-mate na FAB. Dizem que o presidente da República perguntou ao comandante da Aeronáutica se ele poderia garantir a continuidade do controle do tráfego aéreo caso fossem aplicadas punições imediatas aos sargentos amotinados. Consta que comandante respondeu que não. A cena assemelha-se à situação do paciente que discute com o cirurgião cardíaco a necessidade de um transplante.
- Mas, doutor, eu estou acostumado a jogar bola com os meus amigos toda terça-feira. É verdade que nos últimos tempos não estou jogando, pois ando meio sem fôlego. Minha dúvida é a seguinte: se eu fizer esse tal transplante que o senhor me recomenda faz algum tempo, eu vou poder bater minha bolinha na semana seguinte?
Claro que o médico vai dizer que não. Mas a resposta é uma formalidade. A própria pergunta já foi elaborada para obter uma determinada resposta. Quando Lula mandou o ministro do Planejamento e a secretária-executiva da Casa Civil ao encontro dos sargentos-controladores na sexta-feira à noite, desenhou-se um cenário teórico em que o Planalto apareceria como a instância capaz de intervir para debelar uma greve com a qual o comando da FAB -já enfraquecido pela impotência dos últimos meses- não havia conseguido lidar de maneira eficiente. Pesquisem as entrevistas dos políticos governistas naquele sábado e naquele domingo. O discurso foi um só: a insatisfação dos controladores (com o comando militar) tinha, definitivamente, emergido como a causa central da crise. Isso posto, o governo resolveria rapidamente o problema. O próprio Lula prometeu, direto dos Estados Unidos, uma "solução final" para a terça-feira seguinte. Mas o que deu errado para os estrategistas da "desmilitarização"? Está em post anterior e nas reportagens dos últimos dias: 1) a reação da sociedade contra a sindicalização do controle do tráfego aéreo nacional e 2) a reação das Forças Armadas à quebra da hierarquia e da disciplina. Para terminar este post: a melhor resposta do comandante da FAB ao presidente da República está sendo dada nos últimos dias. Com sua autoridade restaurada, a FAB normalizou a controle do tráfego aéreo nacional em horas. Como? Com a total militarização do serviço e a imposição de duras normas marciais aos controladores de vôo. Talvez isso seja o tal "retrocesso" sobre o qual, sabiamente, o ministro da Defesa advertiu os sargentos na sexta-feira fatídica.
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