
Seja qual for o resultado eleitoral, um dos debates mais fascinantes do pós-eleição será sobre os mecanismos de formação da opinião do público. Está em questão a teoria da pedra no lago, para quem as informações (e opiniões) transmitem-se do topo da pirâmide social para a base, como as ondas que se propagam do centro para as margens quando uma pedra cai na água do lago.
É evidente que a teoria não está conseguindo explicar a realidade eleitoral do Brasil de 2006. Mas será que a teoria está errada? Faço um paralelo com a física de
Isaac Newton (retrato de Godfrey Kneller, em 1689), ensinada até hoje nas escolas. Ela funciona razoavelmente bem em situações do cotidiano e nos fenômenos mais perceptíveis pelos sentidos humanos. Mas
Albert Einstein sabia que ela não dá conta da realidade quando, por exemplo, o ponto de referência viaja a velocidades próximas da rapidez com que a luz se desloca no vácuo. Da insuficiência da física newtoniana nasceu a Teoria da Relatividade.
Assim é a vida. Melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão. A teoria da pedra no lago não deve estar completamente errada, mas talvez ela não sirva para explicar a realidade em determinadas situações. Talvez sua principal limitação seja a mesma de certos modelos científicos: só funcionar se estiverem dadas condições que dificilmente se observam na vida prática.
Você já viu um lago cuja superfície estivesse totalmente estática? Eu nunca vi. Lançar uma pedra num lago de superfície estática é um modelo, uma abstração. Todo lago tem suas ondinhas. Há as causadas pelo vento, por folhas que caem na superfície, pela atividade de animais ou do homem. E qualquer estudante do ensino médio que não tenha matado as aulas de Ondulatória sabe que quando ondas se somam elas podem de potencializar ou se neutralizar, dependendo de estarem em concordância ou em oposição.
Bingo! Talvez seja isso que certas pessoas ainda não entenderam: a teoria da pedra no lago está plenamente funcional, mas provavelmente há muito mais pedras caindo no lago do que se observa a olho nu. Talvez haja tantas pedrinhas sendo atiradas à água que qualquer modelo teórico convencional fica capenga. Sai a Ondulatória ensinada nos colégios, entra a Teoria do Caos.
Olhando para trás, fico pensando como teria sido mais fácil acabar com a ditadura (1964-1985) se na época tivéssemos o e-mail. Nem fax tínhamos! Hoje, o sujeito vive mergulhado em informação. 99% da informação relevante disponível para a elite também está à disposição do povo. Pelo rádio, pela televisão e pela Internet. Agora você vai protestar: "Como você diz isso, se a maioria da população não tem acesso à Internet?".
Não é necessário que a maioria tenha acesso. Basta que, numa comunidade, um jovem acesse a rede na escola, ou que um trabalhador o faça no seu local de trabalho. A informação obtida se propaga depois por capilaridade, no boca-a-boca da escola, do bairro, do sindicato, da igreja. Nas conversas de esquina. Quem não vive fechado numa redoma sabe que hoje é muito mais comum do que ontem encontrar em qualquer grupo social pessoas bem-informadas e orgulhosas de sua própria opinião.
Quem quiser continuar sendo um formador de opinião influente nesse novo mundo precisará acostumar-se à idéia de que é apenas um entre muitos. Precisará aposentar a certeza arrogante e trocá-la pelo argumento eficaz. Precisará engavetar a desqualificação do diferente e tirar do arquivo a argumentação respeitosa, que procura enxergar a dose de verdade que há nas teses do oponente. Precisará, enfim, estar mais disposto a jogar o jogo complexo da democracia. No qual o argumento da autoridade vale cada vez menos. E a autoridade do argumento vale cada vez mais.
---------------------------------
Este texto foi produzido para o
Blog do Noblat, onde escrevo semanalmente.
Clique aqui para assinar este blog (Blog do Alon).
Para mandar um email ao editor do blog, clique aqui.
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo.