O ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso (FHC) publicou no último fim-de-semana artigo nos jornais O Estado de S.Paulo e O Globo para dar seu pitaco no debate sobre esquerda, democracia e populismo na América do Sul. Pessoalmente, acho a discussão específica sobre o
populismo enfadonha e inútil, pela absoluta impossibilidade de se definir, objetivamente, o significado da expressão. Escrevi sobre isso no mais recente aniversário do movimento militar que derrubou o presidente João Goulart. Reproduzo uma passagem daquele texto:
"Aliás, poderíamos aproveitar a efeméride de 64 para fazer um pacto: proponho abolir o uso da palavra 'populismo' como categoria histórica nos nossos debates. Ao se prestar a quase tudo, o termo acaba não explicando quase nada. Se desaparecer, não vai fazer falta. A expressão serviu e serve apenas para amalgamar essa aliança espúria entre a esquerda e a direita que têm horror às origens trabalhistas do moderno protagonismo operário e popular no Brasil".
O post (31 de março, há 42 anos) pode ser lido clicando aqui.
É isso. Quando ouço falar em crítica do populismo vou logo tirando a faca. O antipopulismo costuma ser o disfarce elegante do político antipopular, a máscara sofisticada de quem resiste a abrir mão de algum naco de orçamento ou recurso público, quando o governante visto como populista tem a idéia de direcionar aos mais pobres uma parte maior desse dinheiro. Nunca ouvi ou li alguém chamar de populistas, por exemplo, as seguidas renegociações de dívida dos grandes agricultores. Ou os juros subsidiados do BNDES para as grandes empresas.
Em seu texto, FHC conceitua o populismo como "uma forma insidiosa de exercício de poder que se define essencialmente por prescindir da mediação das instituições, do Congresso, dos partidos e por se basear na ligação direta do governante com as massas, cimentada na troca de benesses".
O presidente brasileiro que talvez melhor se encaixou nessa definição foi
Emílio Garrastazu Médici. Governou sem o Congresso e sem os partidos, e comandou o "
milagre brasileiro". Mas você nunca leu ou ouviu alguém dizer, seriamente, que Médici teria sido exemplo de político populista. Sabe por quê? Porque a categoria tem viés ideológico definido, ela existe apenas para tentar desqualificar a esquerda.
Discorda? A América do Sul tem hoje dois presidentes que atropelaram os partidos tradicionais em seus respectivos países, aprovaram a própria reeleição e se reelegeram por ampla maioria de votos, com base na ligação direta com as massas. Um deles é
Hugo Chávez, da Venezuela. O outro é
Álvaro Uribe, da Colômbia. Chávez já está tipificado pelo senso comum como o populista a combater, enquanto Uribe é saudado pelos ditos antipopulistas como um vetor moderno e democratizante da região.
Creditar ao populismo ou a projetos de poder populistas as contínuas alterações institucionais na América do Sul é perigoso. As instituições políticas são um elemento dinâmico nas sociedades contemporâneas, particularmente nos países em que a mudança social é mais veloz. Esse dinamismo tavez explique por que FHC, Uribe e Chávez tiveram a idéia de mudar a Constituição para poderem pleitear a própria reeleição. Dos três, o único que convocou um plebiscito para perguntar o que o eleitor achava do assunto foi Chávez, o populista.
Ah, sim! Uribe também teve a idéia de consultar o eleitor colombiano sobre algumas de suas propostas políticas, mas foi derrotado na ocasião.
Clique aqui para assinar gratuitamente este blog (Blog do Alon).
Para inserir um comentário, clique sobre a palavra "comentários", abaixo.