A Constituição golpista e o erro que Lula não corrige (19/04)
Conheço razoavelmente as regras do pôquer. O suficiente para jogar e perder. Sou teimoso demais para ser um jogador pelo menos razoável. Algumas vezes, está na cara que não vai dar e, mesmo assim, pago para ver, só de vergonha de admitir a derrota antes dela consumada.
Mas, em matéria de teimosia o campeão é Luiz Inácio Lula da Silva. Não é campeão, é hors concours.
Ontem Lula recebeu o presidente da OAB, Roberto Busato. Segundo os repórteres Eduardo Scolese e Adriano Ceolin, o presidente reclamou das CPIs. Ele “disse que, em alguns casos, as comissões extrapolaram suas funções e que, por conta disso, é preciso criar normas para regulá-las”. Também “disse que, ao abrir os leques de suas investigações, as CPIs criadas para investigar os Correios, o esquema do mensalão e as casas de jogos acabaram não sendo 'justas' com ele”.
Lula dizer coisas assim só pode ser teimosia, ou dissimulação de jogador de pôquer (ou de truco). A alternativa seria apavorante. Precisaríamos admitir que, a menos de nove meses do fim do mandato, Lula ainda acredita que CPIs existem para investigar e pedir o indiciamento de supostos criminosos. Não, CPIs são instrumentos constitucionais de que os legisladores se valem para emparedar, e se preciso derrubar, governantes que perdem o apoio da maioria do Legislativo.
Nossa Constituição é presidencialista, mas tem alma parlamentarista. Estimula o ímpeto ditatorial dos presidentes e os instintos golpistas do Congresso. O presidente da República tem as medidas provisórias e o orçamento de execução parcialmente discricionária (não impositivo). Não fossem esses dois instrumentos, não governaria, pois o sistema eleitoral praticamente impõe a fragmentação partidária e impede que o chefe do Executivo se eleja com uma maioria favorável de deputados e senadores. Como o presidente não pode dissolver o Congresso e convocar novas eleições, uma hora vem a crise.
As CPIs e o impeachment são os instrumentos constitucionais de que dispomos para remover presidentes que perdem a maioria no Congresso e não conseguem recompô-la. Fernando Henrique Cardoso conhecia bem (e viveu) a História do Brasil. Deixava o gerenciamento do dia-a-dia para os outros e cuidava de manter azeitada sua ampla base parlamentar. Governou oito anos em relativa paz, pois abafou todas as CPIs que precisavam ser abafadas quando o PT queria desestabilizar seu governo. Como já escrevi aqui algumas vezes, o Brasil tem essa dívida com FHC.
Se Lula ainda não entendeu que o problema dele não está nas “normas para regular” o trabalho das CPIs, mas no estado permanentemente gelatinoso de sua base de apoio (apoio?) político, talvez estivesse na hora de pedir o boné e mudar de ramo. Como o presidente não vai fazer isso e, ao contrário, quer mais quatro anos no recém-reformado Palácio da Alvorada, quem sabe fosse o caso de alguém explicar, de novo, essa coisa a Lula. Pena que José Dirceu tenha sido cassado, pois ele já estava habituado a cumprir essa frustrante -e, como se viu, perigosa- missão.
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9 Comentários:
Você está coberto de razão, mas... esse argumento de realpolitik não significaria que a própria existência de CPIs com tantos poderes está em cheque?
Afinal, no papel é tudo bonitinho. Se todo e qualquer governante, para se manter no poder, tiver que abafar CPIs, isso não será bom para a democracia.
Francamente, eu acho que Lula sabe que só se governa com uma base sólida de apoio no congresso, e que deputados e senadores são eleitos nos estados. Quem não entendeu isso ainda é o PT. O partido caminha para uma política suicida de alianças nos estados e vai ter uma bancada diminuta, muito menor do que a que tem hoje. Se agora parece ruim, em um eventual segundo mandato será pior. E como não vai dar mais para comprar deputados em cash como o Dirceu fez (apud Ministério Público), como é que vai ser?
Só o voto distrital cria partidos fortes e seria capaz de mudar estruturalmente a atual fragmentação. Mas já perdi a esperança de isso um dia ser aprovado.
Você disse tudo. Nosso presidente parece que vive no mundo da lua e não enxerga os erros táticos de seu governo.
Mais um texto interessante do Alon. Podemos discordar parcialmente ou totalmente, mas este, como os outros, dão uma perspectiva diferente sobre as notícias, a crise, a política no Brasil etc. É o que difere dos outros blogs, além é claro do fato da sessão "comentários" não ser uma "terra de ninguém", como nos outros. Há dias em que nem escrevo aqui porque os posts nos desafiam a matutar melhor e escrever com mais cuidado. Hoje é um dia desses, por isso mando esse comentário bajulador. Valeu, Alon.
Bem, Fernando, o PT é historicamente dado a alianças suicidas. Alguém mais generoso diria "puras". Acho que isto é só um retorno às raízes, bem necessário depois destes últimos anos. Em alguns casos é também uma tentativa de "desaparelhar" um pouco o organismo partidário ou pelo menos fazer uma faxina no aparelho.
Quanto ao que vai ser se o presidente acabar com um Congresso francamente oposicionista, qual você acha que é a função histórica do PMDB, senão a de ser o eterno fiel da balança da República?
eh, lidar com os 300 picaretas requer aprendizado...
o voto distrital é uma.
mas de imediato quem sabe um rei aparece e propõe uma anistia recíproca, e isso cola...
Paulo Candido, acho que a faxina vai ser inevitável e eu não acredito que o PT tenha futuro como partido após uma eventual reeleição do Lula. Os "movimentos sociais" e a esquerda da Igreja já estão procurando outro canal, alguns mais ao centro provavelmente migrarão para algo na linha do PPS ou (heresia!) PSDB, e a porção pelega e aparelhada viverá em torno da imagem e as realizações do Lula.
A eleição de Lula para presidente foi um desastre politico para o Brasil.
Parece que os fatos experimentais desmentem a tese de que o PT não vai sobreviver como partido e etc...
Vai ser a 2 maior bancada no congresso!
E aí? precisam rever o modelo de vocês :-)
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